Iremos reviver, algum dia, o que no tempo passado quase se esvai. Vai, chama
sua voz e cante aquela canção sangrando mãos ao nada. Tudo
tem seu jeito de ser e acabamos sendo do jeito que fomos, por mais longe que
fujamos do obstáculo. Em estátuas nos transformamos, quando olhamos
o passado tão mal passado. Entre garrafas e tristeza, entre vazios e
raiva deslocamos a alma para o lado contrário, como se navegássemos
contra a correnteza que quer a todo custo nos levar para o abismo do desconhecido,
do mistério. Pegue suas roupas e as coloque de molho, precisamos lavar
as manchas daquela noite. Noite que você me apareceu toda de branco, com
os cabelos molhados, as mãos em sangue, dizendo que seu marido não
mais atrapalharia sua vida. Que nunca mais ele bateria em sua cara. Que sua
voz nunca mais precisaria calar diante de tanta humilhação, pois
calastes a boca dele. Em cortes muitos e profundos você disse que desenhou
um tabuleiro em suas costas e barriga. Queria que nada disso tivesse acontecido,
que você estivesse aqui conversando comigo, com nossos maridos lá
na varanda tomando suas cervejas, mas tudo se partiu e mesmo sem querer, sempre
me vejo olhando a janela e olhando a grama, os portões e o grande vazio
que ficou. O mais triste é saber que estais nessa cadeia, misturada com
tantas outras presas que não podem lhe entender, que ao longe fico sem
poder lhe cuidar e nem tirá-la daí. Só mesmo esperar, em
poucas visitas permitidas e aguardando resultado do julgamento. Em legitima
defesa o advogado disse que escaparias. Falta pouco, bem pouco, na próxima
semana sai o resultado. E no tempo revivendo nossas prosas estaremos, como nos
velhos tempos, e talvez bem melhor, pois você estará livre das
grades do presídio e das garras dele.
Então cantarás aquela canção de mãos limpas
e de olhos novos, enxergando um belo futuro de muito sucesso e paz.