Desde criança meus pais me rejeitavam davam-me tudo o que eu queria.
E o que eu queria? Eu queria ser livre.
Sabia tocar piano e andava a cavalo nos fins de semana, no sítio do meu
avô.
Até que um dia pedi á um dos empregados para selar um dos cavalos
mais violentos, era o Alazão. Bonito cavalo porém muito agressivo.
Montei e no começo foi tudo bem; percorremos as margens do rio e todo
o sítio. Alazão não queria parar, ia cada vez mais rápido.
Puxei as rédeas, ele me jogou contra as pedras do rio. Tinha 16 anos
quando todo o meu pesadelo começou. Perdi as pernas, a namorada, os amigos
e em pouco também perdi meus pais em um acidente de avião. Entrei
pra faculdade de jornalismo. Conheci uma mulher maravilhosa. Era Pillar. Me
apaixonei perdidamente por ela. Pillar me ajudava, conversava comigo e me entendia.
Passamos a morar juntos, eu cuidava dela com minha percepção e
ela da mim com seus olhos.
Vivemos bons momentos juntos. Terminei a faculdade, comecei a trabalhar num
jornal e nisso percebi Pillar um pouco distante. Achei que estava enganado.
Não, não estava. Depois de um dia de trabalho cansativo cheguei
em casa sem fazer barulho e escutei gemidos vindos do quarto. Ela estava na
cama com meu vizinho. Peguei o revolver de meu pai e disparei contra a parede
do quarto, e uma das balas pegou em Pillar. Fiquei desesperado. Pillar não
aguentou e faleceu um dia depois. E eu fui preso.
Conheci um cara e me interessei por ele e nós namoramos. E eu o matei;
ele ia ser solto e eu me torturava com a ideia de continuar preso. Cravei
a faca nas costas dele , no peito, na barriga e até ele morrer eu continuei
cravando-lhe a faca.
Não sei porque mas virei o bandido mais temido da penitenciária.
Acham-me um louco. E hoje moro num sanatório. Ninguém quer ser
meu amigo. Mas o bom de tudo isso é que eu aprendi com a vida. E vou
ser solto daqui á seis meses. Perdi 26 anos da minha vida aqui . E o
que quero? Fiz essa pergunta na minha adolescência. Quero ser livre .
Ass: João Lucas Mascarenhas.
P.S. João Lucas não sairia do sanatório depois de 6 meses.
Não encontrou motivos pra continuar a viver e se matou cortando os punhos
com uma simples faca de pão depois de Ter escrito esta carta. João
morreu sem saber que tinha deixado um filho em Pillar. Os dois morreram. E João
vivo continua, nos livros que escreveu e morto no fogo do inferno.
(11/07/2004)