Ele ainda tinha o ar angelical de criança. Não deveria passar
dos sete anos. Pele clara, cabelos dourados, olhos bem verdes, talvez devido
ao reflexo do gigante Atlântico diante dele. Vestia uma sunguinha amarela,
que brilhava na sua fibra ao seu andar rebolado. Nas mãos um pequeno
balde em formato de peixe vermelho. E ele sorria. Caminhava e sorria. Ele e
seu brinquedo, diante do gigante. Tão pequeno ficava, mais do que já
era aos olhos adultos. E ali, diante do Atlântico, ele também se
mostrava frágil.
Se ajeitou num canto da areia e começou a arquitetar um complexo de grãos.
Tirou do balde suas ferramentas. A areia estava seca demais. Precisaria de água.
Levantou-se sereno, sério, maduro. Olhou para o mar com olhar-capitão-velho-lobo-do-mar.
E teve medo. Foi então até sua mãe. A mulher estava estirada
na toalha, torrando ao sol que estava à pino. A pele brilhava na sua
cor de jambo, dourada, fina. O garoto abriu uma caixa de isopor ao lado da barraca
armada na areia. A mulher com fone de ouvidos ouvindo música sertaneja
nem percebeu que o filho estava ali. Ele tateou em busca de água. Nada.
Novamente ele se pôs em pé diante do mar. Observou as ondas, estudou
o vento, mediu a temperatura do ar. Não entendeu nada. Para ele aquilo
tudo diante dos seus olhos era um grande manto, um monstro, um outro mundo.
Imaginou tentáculos saindo das águas e agarrando seus pés.
Imaginou um polvo se erguendo, como nos desenhos animados. Imaginou um navio
fantasma surgindo do nada. Imaginou tudo, menos a realidade.
Voltou para o seu monte de areia e tentou criar com a areia seca seu desejo.
Porém, a cada toque por mais leve que fosse tudo desmoronava. Não
saiu do calabouço que imaginou para o seu grande castelo.
Assim, com as de coragem e força, pegou seu baldinho vermelho e se dirigiu
ao mar com passos pesados e firmes. Sentiu a areia esfriar, umedecer. O andar
não era mais tão difícil. As ondas tocaram seus pequenos
pés. Ele tremeu. Água fria. Tentou pegar água ali, bem
no raso. Mas não teve sucesso. Seu balde ficou com mais areia que água.
Entrou mais no fundo. A mãe ainda ouvia o sertanejo. A água agora
batia no meio de suas canelas. Tremia de frio e de medo. Olhou para o gigante
e lá estavam os tentáculos saindo da água, vindo em sua
direção, cheios de gosma e mucosa. Num único golpe giratório
com o bracinho encheu o balde vermelho e correu de volta para a areia.
Cerca de meia hora depois finalizou seu belo castelo. Havia torres, portas,
túneis, janelas. Era perfeito. Era o seu castelo.
A tarde passou. E o sol já estava mais calmo. Ao contrário do
mar, que ainda urrava. Continuava na areia quando viu sua mãe começar
a ajeitar as coisas. O mar estava mais próximo. As ondas vinham mais
rápidas e fortes. Ouviu seu nome, e foi atender. A areia ainda quente
nos pés fizeram que ele corresse para a sombra.
Tudo ajeitado, só faltava seu baldinho vermelho. Olhou em volta e o viu
no meio da praia, próximo ao seu feudo. Caminhou sem pressa até
lá. A areia quente foi esfriando, umedecendo, fácil de se caminhar.
Voltou-se para o gigante, que o hipnotizou na sua beleza de fim de tarde. Viu
uma onda se formar enorme, crescer, levantar-se. De repente tombou no manto
do mar. E veio.
Ele correu. Os tentáculos pareciam estar de volta. Foi para junto da
mãe. O baldinho balançando nas mãos. Abraçou tremendo
as pernas da mulher e olhou para o gigante, que continuava vindo. E veio até
seu castelo. Uma única onda, um único golpe. Tudo ao chão.
Em segundos o seu magnífico feudo, seu feito sem nome, havia desmoronado.
Agora não passava de areia molhada e espuma. Ele olhou pasmo para aquilo.
Não acreditava que o gigante tinha feito aquilo. Imaginou e pensou se
sua vida seria assim. Teve medo.
Sua mãe o puxou pela mão. A cada passo ele olhava para trás,
na esperança de ver o mar de recuar e seu castelo subir novamente. Afinal
de contas ele era criança e poderia sonhar. Mas nada aconteceu.
Entrou no carro e percebeu o quanto sua sunga estava gelada e cheia de areia.
Olhou pela última vez para o mar. Aqueles braços, tentáculos,
gigantes. E pensou: por quê existem polvos tão maus?
Decidiu parar de ver desenhos animados.