A Garganta da Serpente
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Seu Francisco

(Robson Alex Fiorin)

O som, estampido árduo que fere os tímpanos, marcava o início daquela noite. As batidas não sincronizadas refletiam a falta de musicalidade daqueles falsos músicos, a letra mais parecia uma piada sem graça e mal contada, que dói, rasgando a lógica ilógica. Estavam a poucos metros de minha casa. Um tal de... Durante horas, todas as formas de tortura pude

desejar àqueles meninos que não tiveram a oportunidade de conhecer seu Francisco. Não havia outra possibilidade, não naquela noite. Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado era pior,

Domingo...apenas na Segunda-feira se podia dormir...mas ainda ouvia o mesmo som, e do nada era obrigado a me policiar: sem mais, cantarolava as letras que repudio.

Chovia naquele Sábado, era duas ou três da manhã, como sempre os mesmos pensamentos. Não suportei, coloquei novamente a velha roupa surrada, e parti em direção a música. A cada passo meu, uma batida, o som cada vez mais alto cortava feito navalha e ferro quente, as gotas de chuva pesavam no meu casaco, e escorriam no meu rosto como lágrimas, como lágrimas? Nunca havia chorado então pude sentir o peso da lágrima cortando meu rosto...

Um beco escuro, uma pequena porta entreaberta de onde saíra um feixe de luz que reluzia nas poças d'água espalhas pelo chão. TARA, dizia o luminoso sobre a pequena porta.

Entrei. Luzes de diversas cores contagiavam aqueles infelizes, pobres de cultura. Caminhei em direção ao bar. A cada passada um esbarro, eu, humildemente, pedia mil desculpas, não era sequer notado.

Sentei-me, no cardápio rasgado, cerveja, refrigerante e água. Pedi uma cerveja, serviram-me uma lata amassada. Uma, duas, três, quatro latas e o som não era mais tão ruim como imaginara, belas garotas cruzavam minha frente e eu as comia com os olhos, um desejo

fora do meu controle, era biológico irracional.

Naquela noite conheci, uma morena escultural que me pediu fogo, como não fumava e já embriagado lhe ofereci o meu apartamento. - Lá encontrará o meu fogo -. Caminhando

novamente pela chuva, a navalha quente não feria, o som ardente e estúpido não mais me incomodava, não estava mais só.

O som não era mais tão ruim, seu Francisco era quadrado, fechado. Meu nome, seu Francisco. Apenas uma noite pude dormir sem que o barulho me atrapalhasse, não era mais o mesmo, era um homem que se deu o direito de voltar e conhecer o desconhecido e odiado submundo, menos sub que o meu.

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