O pai alto, magro, o andar de pernas em arco, apressado, a voz grossa, o sorriso
fácil no rosto avermelhado, queimado pelo sol do serviço no campo,
chegando à noitinha, na égua bem-tratada, com o cachorro "Trovão"
acompanhando-a. Sua mãe no alpendre, esperando-o. O rosto moreno sereno,
os cabelos negros, longos, o silêncio compreensivo naquele companheirismo
de anos. O céu estrelado. Ele, menino também ali no alpendre.
O animal parava, o pai desmontava sem pressa.
- Tudo bem por aqui, Josefa?
A voz da mãe era também calma ao responder:
- Tá, tudo na paz de Deus.
O pai com o cabestro da égua na mão, então, se voltava
para ele:
- E a bênção, se esqueceu?
- Bênção pai.
- Deus te faça feliz. Tome esse cabestro e solte a "Castanha"
no pasto.
Conduzindo a égua pelo cabestro ele então se encaminhava a área
atrás da casa, onde havia o açude e o terreno às margens
deste, com o capim, o juazeiro e a cerca que o limitava da propriedade vizinha.
Banhava a montaria e soltando-a, retornava a casa, onde na sala à entrada,
o pai sentado num tamborete lavava os pés na bacia.
Da cozinha chegava o cheiro da carne sendo assada. Cruzava a sala, o corredor,
a outra, e adentrava na cozinha.
A mãe a beira do fogão - a - barro encontrava-se, com a atenção
à frigideira com a carne.
Sem se voltar, ela inquiria:
- Soltou a "Castanha?".
- Soltei mãe.
- Deu banho nela?
- Dei.
- Vá chamar o Júlio que o comer tá pronto.
Apressado retornava a salinha:
- Pai, mãe mandou chamar pra jantar.
Em silêncio o homem grande erguia-se e encaminhando-se a mesa, logo se
alimentava cabisbaixo, voltado ao próprio mundo íntimo.
Respeitando-lhe o mutismo costumeiro, ele e sua mãe também se
conservavam calados.
De fora, um cachorro ladrava nas proximidades, e o "Trovão"
também, como se entre ambos houvesse um diálogo.
- Diabo de tanta zoada!
Protestava a voz grossa, e a mãe:
- Deixa os bichos se falarem, Júlio. Vai ligar pra isso?
- É você tá certa. Me passe aí a macaxeira.
Comia com prazer, ligeiro. Pela janelinha ao lado, o vento entrava sem cerimônia,
agasalhando as faces, numa carícia.
De repente, a mãe ousava quebrar o silêncio entre eles:
- Como tá o terreno de cima, Júlio?
Sem erguer a cabeça, o pai respondia:
- Fiz a "queimada" e pra semana começo a plantação
do milho.
- Sim, tá na hora mesmo.
Calavam-se. Ele se limitava então a ouvir, gravar o que percebia para,
sem saber, numa hora, um dia, se lembrar. Com saudade se lembrar...
- Pai está muito magro.
Diz a moça à mãe, na sala, onde estão nos sofás,
conversando, uma à frente da outra.
- Depois que seu pai teve o derrame emagreceu muito... Passa a maior parte do
tempo aí na cadeira, nessa varanda, cochilando, calado.
A filha voltando à atenção a varanda conjugada, mais uma
vez analisando a figura envelhecida, maltratada pela enfermidade, torna a falar:
- E ele que era tão alegre! Ninguém é nada mesmo não...
- Pois é. E saber que tem gente que se julga, sem saber o dia da amanhã,
as traições do destino!
A jovem sorrindo:
- Gostei da frase, mamãe: "As traições do destino!"...
Então se erguendo:
- Deixe-me ir cuidar da vida. Ainda tenho de passar na firma do Haroldo... Vou
falar com o pai.
- Vá, Luciana.
Esta assim procede. Vendo a filha esguia, graciosa, deixando o ambiente, a senhora
de repente, sente uma "coisa"... Não, agora Não! Basta
de sentimentalismo. Precisa ser forte, encarar a vida com mais realismo. Altivez.
No terraço, Luciana para o velho (que cochila?):
- Pai?
Os olhos se abrem, o sorriso antigo (querido sorriso!) iluminam o rosto cortado
por rugas e a voz rouca, baixinha:
- Sim? Já vai Luciana?
- Já pai. Depois venho com mais calma.
Abaixa-se e, com a mão bem cuidada, de longos dedos, afaga numa carícia,
a cabeça alvinha pelo tempo.
- Tchau, pai.
- Até, filha. Vai com Deus.
Apressada, a moça deixa-o novamente sozinho, ou melhor, em companhia
das lembranças, que fazem o seu mundo de quem aos poucos, se ausenta
de tudo. Tudo.
Resignado, cadenciando-se, cerra os olhos.
No oitão vizinho, os passos determinados vencem os degraus, de volta
ao cotidiano nervoso da cidade grande.