1
Da varanda, José vê o automóvel prateado afastar-se na avenida
embaixo, entre os demais em número reduzido, na noite avançada.
O que o seu filho faz de errado à noite? Com "patotinhas" em
barzinhos, atrás de programas amorosos? Ou envolvendo-se com drogas?
Como saber?
Introvertido, em seu mundo, o filho pouco fala. A quem o Gustavinho puxou? Sim,
porque ele, José, e a mulher, Célia, conversam, comunicam-se.
Já a outra filha, Nely, também se expressa através das
palavras. Mas... ultimamente, anda preocupado com essas saídas do filho,
pois, Gustavinho retorna alta madrugada, ou mesmo ao nascer do dia.
- Gustavinho, você precisa maneirar mais seus passeios.
Cabisbaixo, o filho não retruca. Em silêncio, Célia acompanha
a cena, apoiando a repreensão.
- Concordo em você sair: é jovem, precisa de "curtição".
Tudo bem. Mas, assim direto, com as noites cada vez mais violentas, com tantas
notícias de crimes... É muito perigoso!
Gustavinho calado. Célia séria, sem falar. Ele, José, prossegue
falando:
- Agora, eu e sua mãe, ficamos sem dormir... Pensando no pior!
O filho termina a refeição e, conservando o mutismo, ergue-se,
cruza a sala, e sobe a escada, que o conduz ao quarto, onde se tranca.
Então, nervoso, suando, ele se volta à companheira:
- Está vendo? Gustavinho não fala, é um túmulo!
E, de noite, sairá outra vez.
Solidária, ela busca lhe acalmar:
- Tem paciência, José. A mocidade de hoje em dia, é assim
mesmo.
"É assim mesmo..." Deus queira que eu esteja enganado: isso,
não irá acabar bem.
Silenciam. Então, a filha adentra:
- Bom dia.
Sorrindo, senta-se, e grita:
- Joana, o meu café!
Aí, percebendo o semblante dos pais, que não disfarçam
a contrariedade:
- Estão de novo "encucados" com o mano? Gustavinho também...
Gorda, lenta, Joana avizinha-se:
- Bom dia.
Nas mãos, a bandeja com pão, café, leite, ovos fritos,
salame, queijo, maçãs.
- Aqui, menina bonita!
A jovem sorri e estende as mãos, recebendo.
Apressado, José levanta-se:
- Bom... Por hoje,já basta! Deixe-me ir pra luta. Até mais tarde.
- Até, José.
Responde Célia e a filha mexendo o café:
- Ciao, paizão!
Em passos apressados ele cruza o ambiente. Fora, o sol ilumina a varanda, a
avenida com movimento intenso e os edifícios altos.
Desce no elevador ao subsolo, onde se encontra o automóvel. Até
quando o filho continuará nessa vidinha noturna? Ah, a gente cria os
filhos com carinho e sacrifícios, para de repente, surgirem os problemas...
- Bom dia, doutor.
- Bom dia, Severino.
Responde ao zelador. Abre a porta, adentra. Liga o motor e o veículo
subindo a rampa, ganha a avenida já movimentadíssima. Mais um
dia inicia-se. Gira o botão e a música vence o interior do carro,
fazendo-o se reentregar à rotina diária. Por enquanto, e mais
tarde, com os problemas a solucionar, na companhia, esquecerá o filho.
Contudo, à noite...
- Mas, já vai sair de novo?
Sem responder, cabisbaixo, Gustavinho ausenta-se. Célia torce as mãos,
angustiada. Defronte, a televisão exibe a novela. No quarto, a moça
estuda.
- Pelo menos, Nely tem juízo.
Agora, no terraço, com os olhos segue o carro, que se distancia na hora
noturna, de resumido movimento.
- Para onde vai esse menino?
2
Os casais entrelaçam-se no jogo de carícias, na praia de vento
frio, contudo, agradável. Os coqueiros dançam a folhagem ao afago
da brisa. No calçadão, que se interpõe entre a praia e
a avenida, de poucos carros e pedestres, mocinhas passeiam em dupla, ou sozinhas,
em busca de "programas". São as "gorotas-de-esquemas".
Veículos estacionam próximos ao meio-fio, com rapazes e "coroas"
que vêm a fim de aventuras amorosas.
A dupla passa, e a lourinha reconhecendo o carro prateado e o seu ocupante encostado
ao motor, volta-se à amiga:
- Vê, Negra: a "bicha" rica já chegou.
A morena fitando-o e, sorrindo:
- É isso aí: cada um, na "sua".
Então, prática, segurando o braço da amiga:
- Se apressa, galega que os caras estão no posto seis, esperando a gente.
- Falou, Nega!
Apressadas, seguem em frente, enquanto o outro com o olhar doentio, busca o
próximo parceiro.
Indiferente ao que agasalha, a noite continua em sua caminhada dentro do tempo.
Egoísta, prossegue.