Chega a casa de rosto fechado, a testa vincada por rugas, os lábios comprimidos,
como se contendo, prendendo o que ele sente.
A mulher entende-o: algo o preocupa e, quando assim, o melhor, o sensato é
lhe evitar a palavra, deixá-lo com seu mundo íntimo.
Ele se senta à cadeira de balanço, no terracinho. A vista nas
residências do morro defronte, na inclinação do terreno.
As escadarias estreitas, longas. Os panos secando nos varais. Uma voz feminina
falando com alguém. O céu cinzento-escuro, no prenúncio
da chuva. E agora, o que será dele, Jurandir, da mulher e do filho pequeno,
o Júnior? Cadencia-se. Mas, tudo na vida tem um jeito. Não há
problema que não tenha uma solução. Boa ou má ela
virá.
- Virá.
Repete, dando ênfase ao que sente. Continua (desde que saiu da fábrica)
sentindo o vazio... As palavras do chefe-encarregado voltam no aviso:
- Jurandir você não precisa vir mais trabalhar. Venha daqui a oito
dias para acertas "suas contas".
- Mas?
Atônito apenas se resumiu na indagação. O homem moreno-fechado
prossegui falando:
- Você não é o primeiro da "lista", com você
sairão mais dez. A indústria passa por uma "crise" e,
se continuar assim terminará fechando!
Os colegas também perplexos ao lado, seguindo a cena. À noite
caindo. As lâmpadas-mercúrio do salão acesas. As máquinas
paradas. Operários passando na pressa natural de "largar" para
o descanso do final da semana.
Cabisbaixo, sentindo já o "vazio", com dificuldade, tornou
a falar:
- Tudo bem, Seu Tomé.
- Vai com Deus, Jurandir.
Evitou os colegas e devagar se afastou. Desempregado... Por que de repente isso
mais uma vez lhe ocorria? Parecia-lhe estar num pesadelo, do qual necessitava
acordar, para se reentregar à vida. Fora, viu ao lado, o trator amarelo,
na condução do bagaço-de-cana; os operários também
se movendo em direção da portaria, onde "carimbariam"
os cartões; o bueiro comprido expelindo a fumaça; a sirene anunciando
o início do próximo expediente... Imagens conhecidas, mas que
naqueles instantes, se lhe apresentavam como o último adeus. É,
mas não fora e nem seria a última vez que se via desempregado.
Contudo, é sempre dolorosa essa realidade.
- Sempre!
A mulher adentra no terraço e solidária ao silêncio do companheiro,
nada fala. Ele então se erguendo:
- Vou me banhar para jantar.
- Vai Jurandir.
Com os olhos apiedados ela fica vendo o corpo magro, de cabeça grisalha,
braços longos, deixar o terracinho, cruzar a sala, entrar no corredor
e sumir na outra sala, com a cozinha e o banheiro conjugados.
Senta-se na cadeira e com a atenção no morro, busca apenas se
prender ao que presencia, enquanto à noite em sua eterna indiferença,
aos poucos, envelhece.
Cadencia-se. E fica a espera da voz lhe pedindo o jantar.
A chuva então desaba. Forte. Ritmada. Molhando tudo. Tudo.
A mulher cochila.