Entrou naquela portinha, meio que escondida, num daqueles bequinhos do centro
da cidade, ali perto da Marechal Floriano. Subiu uma escada suja e escura, que,
provavelmente, era do século retrasado, dada as condições
do prédio. A iluminação, como já esperava, era toda
vermelha e aqui e ali um abajur fraquinho ligado nos cantos. Um homem caminhou
na sua direção e lhe estendeu a mão - não havia
mais ninguém no local.
- O senhor chegou bem na hora. Já íamos fechar as portas para
a sessão.
- Eu... eu não tenho certeza se quero assistir. Nunca fiz isso... - disse
o homem ao recepcionista.
- Ah, é muito normal. Este nosso ramo já está desaparecendo,
e não raro, as pessoas nos descredibilizam, indo embora antes mesmo de
conhecer nosso trabalho, não menos digno do que os que se veem
por aí na televisão.
- É... tomara que eu não me arrependa.
Caminharam pelo corredor que dava de fronte para escada que acabara de subir,
antes de ser interceptado pelo recepcionista - sujeitinho magro e alto, de rosto
cavado e cabelos negros penteados para trás. O terno que trazia era destes
que já não se usa mais, porém, dos que passam alguma seriedade.
Quem vê de fora não imagina o quão profundo é o edifício,
de não mais do que quatro andares, e passadas umas seis portas, de cada
lado do corredor, pararam diante de uma porta numerada, de madeira escura, ao
fim deste.
- O senhor ficará aqui e aguardará o som da campainha que soará
três vezes. Não se preocupe, tudo já está preparado.
Abriu a porta e lhe deu passagem.
- Esta cabine é completamente invisível para a nossa profissional,
de modo que o senhor poderá vê-la sem que ela o veja ou o ouça.
O criado-mudo guarda material higiênico, descartável, inteiramente
à sua disposição. A porta é trancada por fora, para
manter a privacidade de nossos clientes, e caso o senhor necessite de alguma
coisa, ou queira sair, é só tirar o fone do gancho que virei pessoalmente
atendê-lo.
- Obrigado, qualquer coisa lhe chamo.
- Aproveite nossos serviços, senhor. Não se vê mais peepshow como este por aí, o senhor fez uma boa escolha.
Ao fechar da porta, a cabine inteira desapareceu de seus olhos e uma agonia
lhe espetou o peito. Nenhum som, nenhuma frestinha de luz, só sentia
a pequena poltrona abaixo de si e o criado mudo em que apoiara o braço.
O cheiro de mofo que vinha das cortinas e o clima abafado lhe davam tonteira.
Mas, fechando os olhos, mergulhando ainda mais na escuridão, conseguiu
se conter e não desmaiar. De repente, como um raio que cai logo após
o silêncio da tempestade, ouviu o som da primeira sonada da campainha.
Parecia uma outra pessoa dentro da cabine, assustou-se e apertou com força
os braços da poltrona.
Logo depois o segundo toque e o terceiro. Lentamente, com um leve ruído,
a cortina diante de si foi-se levantando, como uma aurora triste. A luz, a princípio,
e isso claro, depois dos minutos iniciais na completa escuridão, lhe
ferira os olhos e rapidamente os tapou com o braço, mas, aos poucos,
e talvez à medida que subia a cortina, acostumou-se e descobriu a visão.
O que vira diante de si, do outro lado daquele vidro manchado e empoeirado,
lhe sacudiu inteiro.
Arregalou o mais que pôde os seus olhos, deixando cair o próprio
queixo, imóvel.
Seu coração disparou e logo sentiu os reflexos de sudorese aguda,
cascatas de suor que lhe brotavam pelas têmporas. A figura diante de si,
dentro de um tipo de aquário espelhado, olhava em sua direção,
porém, sem vê-lo e, por dedução sua, olhando a si
mesma, contemplando-se. Mexia em seus próprios cabelos, acariciava seus
seios, abria e fechava a boca lentamente, como se murmurando alguma coisa suja.
Os espelhos ao redor dela, em formação hexagonal, mostravam vários
ângulos do seu corpo, e ele imaginou que outros homens por trás
destes, bem como ele, também estariam observando-a. Afrouxou o seu cinto
e enfiou a mão nas calças, tomado pela excitação
proporcionado pela mulher diante dele, que se movia languidamente, como uma
serpente, olhando seus diversos reflexos.
O clímax o alcançou quando, tocando a si mesmo e vendo-a expor
toda a sua natureza, ela tirou de cima a pouca roupa que trazia. Soltou um gemido
débil, engasgado, e com a outra mão fechou os próprios
olhos, querendo esconder sua mediocridade, sua vilania. Dentro do aquário,
do expositório por trás do vidro, havia uma mulher deformada de
nascença, ou vítima da sífilis talvez, e da cruel e mórbida
curiosidade humana, que se contorcia e era obrigada, pelos espelhos, a olhar
a si mesma, contemplando o horror de sua imagem.