Insanidade: alienação, demência, doidice, loucura, mania,
piração, psicose, delírio...
Deito em meu colchão fino acomodado no chão. Único objeto
no quarto. Não consigo dormir. Toda noite é assim. É imediato:
logo após me acomodar no colchão meus olhos saltam das órbitas
e impedem então o tão esperado abraço de minhas pálpebras.
Fico assim, com os olhos arregalados, voltados para o teto embolorado. O quarto
é úmido e tem um cheiro que me remete à infância:
cheiro de cachorro molhado que dilacera a coleira com os dentes no desejo incontrolável
de atender ao convite dos campos gramados à frente da sua prisão.
Amolece a coleira de couro com a própria saliva até que ela cede
ao atrito dos dentes afiados e então corre pelos campos, voltando somente
após o término da chuva de verão direto para os meus braços,
com uma felicidade estampada em seus olhos caninos que nunca vi refletida nos
meus ao olhar para o espelho...
O teto úmido do meu quarto tem pequenas manchas de bolor do tamanho aproximado
de azeitonas e eu tenho a missão de contas-las todas as noites. Conto
uma vez: 187 manchas. Reconto para certificar-me que não esqueci de contar
nenhuma: 187 manchas. Mas o quarto É úmido e certamente
mais dia menos dia a quantidade de manchas VAI aumentar, então
eu as conto todas as noites para me certificar que TODAS elas estão
ali, que NENHUMA desapareceu (afinal de contas, o quarto É
úmido...) e eu preciso saber exatamente quando surgirá uma nova
mancha.
Ansioso e precavido, deixo sempre ao meu lado uma folha de papel e um toco de
lápis (mal apontado). É preciso anotar o dia exato do surgimento
da nova mancha, e depois anotar os surgimentos subsequentes.
Tendo a média de intervalos entre o surgimento de uma nova mancha e outra
será possível então calcular quando o teto estará
todo preenchido por manchas de bolor, e isso é essencial para o ser insone
que aqui vos fala, pois, tendo ideia de quando isso irá acontecer
poderei com antecedência procurar por outro quarto úmido, visto
que seria uma completa doidice ficar deitado num quarto com os olhos esbugalhados
alimentando a abstinência sexual de minhas pálpebras com um teto
todo negro de bolor sem manchas novas para contar.
Não, isso não é loucura não... Não. Não
é... Definitivamente NÃO É LOUCURA. Loucura seria ficar
deitado num quarto sem manchas de bolor no teto. Louco seria eu se permitisse
a chegada do dia em que eu não tivesse mais manchas de bolor para contar.
Sim, isso é loucura!
É por isso que eu conto. 187 manchas. Reconto... 187 manchas... Reconto
novamente... 187 manchas... 187 manchas... 187 manchas... 187 manchas... 187
manchas...