Luna acomoda-se no encosto direito do sofá e de lá ela tudo observa.
Posiciona-se como uma "lady", até chegar o momento em que se
entedia, abre as patinhas da frente assim como as de trás, ajeitando-se
perfeitamente à curvatura do encosto do sofá.
Gaya, lânguida e longilínea dirige-se da cozinha para a sala. Esconde-se
debaixo do cobertor que cobre o sofá até que consegue irritar
Luna de tal forma que a faz descer de seu local predileto.
Luna resmunga (delicadamente), Gaya responde (escandalosamente).
Luna resmunga novamente (como uma "lady"), Gaya responde novamente
(como uma "street cat").
Eu continuo de fronte a meu computador. Luna aproxima-se felinamente. Caminha
com doçura, seus sapatinhos são peludos. Equilibra-se sobre suas
patas traseiras, me diz algo e me toca sutilmente com uma de suas patinhas.
Deseja ser acariciada. Satisfaço sua vontade. Ela não foge, rende-se
ao prazer das minhas carícias com feições quase orgásmicas.
Digo a ela o quanto admiro sua educação e elegância.
Todos os dias pela manhã ela pula sobre a tampa do vaso sanitário
do banheiro da área de serviço sem produzir o menor ruído
para que possa me observar com clareza a recolher suas obras fecais. Então
eu digo: "bom dia" e ela responde graciosamente encostando o focinho
preto e gelado em meu nariz e fica ali olhando, inspecionando cada movimento
meu aplicado no procedimento de limpeza fecal.
Simultaneamente, Gaya brinca na cozinha com a embalagem do Kinder Ovo que eu
comi na noite anterior. Prova ocular da infeliz tentativa de montar o mini brinquedo
que veio dentro dele como brinde
Gaya não gosta muito de meus afagos. Prefere a lambida da língua
áspera e molhada da Luna. Passa o dia a me evitar, aquela vadiazinha.
Ela é estabanada. Não tem bons modos e não demonstra elegância
em seus movimentos. Não tem postura ao sentar-se, corre como uma raposa
mal alimentada e dorme muito pouco, de tão desconfiada que é.
Tem fixação por sacos de lixo (com lixo dentro) assim como as
mulheres mal amadas por chocolate. As mulheres mal amadas copulam com doces
à base de cacau e Gaya copula com sacos de lixo (com lixo dentro). Até
hoje não consegui concluir o que é menos degradante.
Houve um dia em que Gaya enfiou a cabeça num saco vazio de ração
e não conseguiu tira-lo. Ficou andando às cegas pela casa, derrubando
e quebrando tudo o que encontrava pela frente até que resolveu esperar,
dentro do cesto de roupas sujas, que alguém aparecesse para socorrê-la.
Comicamente trágico.
Gaya apresenta um temperamento bastante imediatista. Não espera por ninguém
nem por nada. Quer resolver seus assuntos por si só e rapidamente. O
saco de ração foi consequência deste comportamento
ansioso de minha lânguida "street cat".
Os felinos são criaturas encantadoras pelo modo como se movimentam e
como se comunicam. Às vezes ficam parados por um bom tempo sem movimentar
nenhum músculo, mexendo apenas as orelhas para os lados e para a frente.
Não patinam quando correm e não emitem som inutilmente como os
cães. Não são inconvenientes e não tentam "transar"
com a sua perna.
Quando fazem sexo, gemem como prostitutas, mas não fingem sentir prazer.
Já os cães, babam ofegantemente como bêbados em prostíbulos
pulguentos roçando suas genitálias ensebadas e semirrígidas
em vaginas já gozadas por outros bêbados que se consideram mais
espertos por terem conseguido se embriagar antes deles.
Felinos fazem sexo como amantes. E amantes fazem sexo com sensualidade, abarrotados
pelo desejo acumulado e antes copulado em mente para depois realiza-lo fisicamente,
envolvidos pelo apetitoso odor sexual e banhados por abundante secreção
genital. Gemem antes, durante e após o gozo e misturam quimicamente seus
líquidos sudoríparos com seus néctares orgásmicos.
Os felinos espremem os olhos à luz do sol e preferem nitidamente a noite
ao dia. É quando ficam mais dispostos, mais ativos. É quando há
menos barulho. O barulho os incomoda. São sensíveis.
Além disso, eles não gostam de companhia. São criaturas
solitárias, mas não recusam o carinho do dono, nem insistem por
afago quando o dono está mal humorado. Eles simplesmente ficam bem, assim,
sós.
Acho que por isso gosto tanto dos felinos, especialmente os meus. Eles são
muito parecidos comigo.