Então ela procurava encontrar a definição exata para sua
condição ali... E entre tantos, todos falando quase que ao mesmo
tempo, entre uma "viagem" e outra conseguiu a definição
exata: Um papagaio. Sim! Era isso! Um papagaio! Era esse o personagem que lhe
foi "docemente" atribuído.
Falsidade revestida de extrema sutilidade havia lhe imposto esse personagem.
Um personagem que definitivamente seria o último dos últimos na
sua lista de opções. Um personagem que suscita bestialidade. Um
papagaio doméstico, daqueles que não tem gaiola. Tem lá
seu poleirinho, sua água, comidinha, mas não tem grades que o
prendam. Falsa ilusão de liberdade. Tem o vasto espaço da "casa"
para explorar, mas suas asas são cortadas de tempos em tempos, para evitar
que alce voo. Então o tonto e iludido papagaio passa o tempo todo
a se rastejar pelo chão em tentativas inúteis de alçar
voo, no entanto nunca consegue.
Seu dono observa. O papagaio está sob seu domínio. "Deixe
que ele tente, deixe. Quando o abusadinho estiver quase conseguindo eu vou até
lá, lhe faço um afago e corto suas asinhas novamente. Dessa forma
ele continua a rastejar, sempre sob meus olhos. Deixe-o imaginar ser livre.
Dessa forma posso dominá-lo melhor e quando quiser".
Mas ele rasteja, rasteja...
Essa é a pior forma de domínio. Quem utiliza essa estratégia
geralmente são pessoas que não gostam de ninguém, incluindo
a si mesmas. Pessoas inseguras, com necessidade inalterável de auto afirmação.
Pessoas carentes. Pobres carentes que para receberem um abraço precisam
fingir que são felizes, simular que amam, mas são incapazes de
amar porque estão em constante conflito interno com sua auto estima.
Basta olhar dentro de seus olhos para perceber a infelicidade que se acumulou
e cristalizou durante todos os seus anos vividos, infelicidade penitenciária.
Olhos vazios. Existe um brilho, de quando em quando nas tentativas de emergir,
na vã tentativa de obter aconchego. Dá pena.
Vida consistente em materialidade, mentirosa benevolência e fuga constante
de si próprio. "Não me olho no espelho. Não olho para
ninguém. Não tenho ninguém. Não tenho nada. Eu uso
sim as pessoas. Eu as uso para mostrar a mim mesmo que sou o melhor, que sou
incomparável, que minha palavra basta, mas algo em mim teima em questionar
incessantemente como eco no vazio se sou assim mesmo, ou se pelo menos sou algo...
É preciso cortar as asas! Se não fizer isso eles voam e eu não
quero ficar aqui embaixo, sozinho, como na verdade sou. Preciso ter alguém
a rastejar. Isso me consola, me dá prazer e a sensação
de que posso, de que posso...".
E então ela rasteja. Entre outros, ela rasteja, e ele goza.