Os Mecânicos
Caso possível prever alguma nacionalidade para o Todo Poderoso, com
certeza poderia se dizer que ele é anduriense. Um pequeno país
deitado em berço esplêndido com o Atlântico a lhe banhar
suas costas é um país lindo e com todas os recursos necessários
para uma independência econômica e política. Apesar de tal
fato não confrontar com a realidade, por causa de um grupo de políticos
espertalhões que talharam o crescimento da nação.
Mesmo assim o povo anduriense vive feliz com suas posses e problemas, tal gado
em pasto novo na manhã orvalhada. Algumas nações maldosas
atribuem as questões básicas não sanadas deste povo à
sua mediocridade, algo muito longe da realidade! Afinal Anduri sempre foi colônia
de outra nação cujo nome hoje é encontrado no anedotário
do país. Apenas conseguiram fugir desta relação nefasta
há apenas 200 anos. Pouco tempo.
Porém me alongo nesse assunto pois conheço o gosto ocidental pela
história, o verdadeiro Anduri é constituído por seus cidadãos
exemplares, cuja inveja alheia os classifica de caricatos. Nesta pequena história
trataremos dos mecânicos
É considerado mecânico todo cidadão anduriense responsável
pelo conserto de algo. A primeira particularidade já se encontra nas
placas das oficinas. Anduri é falante da língua portuguesa tal
qual o Brasil é, porém as diferenças ficam nítidas
na hora de escrever, apesar de concerto se tratar de um grupo de músicos
tocando alguma peça, lê-se "Concerta-se" nas placas de
Anduri, assim como o correto "Conserta-se", quase no nível
de igualdade. Apesar dos dicionários nacionais fazerem a distinção
entre os dois substantivos, o povo criou uma versão oficial e uma oficiosa
para sua língua. Alguns linguistas estudam essa versão oficiosa
porém suas regras não parecem mui claras.
Então você estrangeiro em visita à nossa bonita nação
não se estranhe caso queira se deliciar em um Mozart e a única
sinfonia que ouvir for a dos martelos sendo usados.
As particularidades não acabam. O povo anduriense, de acordo com sua
cultura sólida, não vê sentido no uso de ferramentas específicas
para os serviços a serem executados. Desta forma é comum os nobres
cidadão conhecidos por mecânicos utilizarem suas chaves de fenda
como talhadeiras e os alicates como martelos. Uma solução genial
vinda de um povo não menos genial.
Em visões específicos, vale ressaltar os mecânicos de carro,
valorosos bastiões do conserto por adivinhação. Você
caro leitor deve estar se perguntando como seria possível tal milagre,
mas digo para você que funciona! Certa vez meu carro estava com um ruído
estranho, de imediato após alguns meses levei a um mecânico, este
ouviu minhas reclamações sobre o automóvel e logo concluiu
que era a caixa de câmbio e disse para um dos rapazes trocá-la.
Abobalhado que estava perguntei se ele não faria alguns testes ou ao
menos olharia para o meu carro, pois ele apontou para o errado e um de seus
rapazes já desmontava uma caranga que só viera trocar o óleo.
Ele me interrompeu e passou as mãos vagarosamente por seus cabelos brancos
dizendo que tinha muita experiência.
Um mês depois do prazo dado para conserto fui à oficina pegar meu
meio de transporte, quando o liguei este sequer funcionou, olhei para o mecânico
que em um lance de pura inteligência estalou os dedos no ar e gritou "Já
sei!", trocou as homocinéticas, porém nada de parar o barulho.
Depois de muitas peças trocadas, enfim meu carro voltou a funcionar depois
que descobriram que uma bolinha de gude, talvez deixada por meu menino, estava
dentro da roda e causava tal barulho. Em que outro lugar do mundo seria possível
um mecânico conseguir consertar algo por adivinhação? Pois
em Anduri esse sistema funciona!
E não só os carros de Anduri que estão em tão boas
mãos. As geladeiras, as máquinas de lavar, as televisões,
rádios e demais aparelhos domésticos gozam desse sistema adivinhatório.
Agora vem o melhor e mais improvável. Você deve imaginar que para
chegar nesse nível o mecânico teve que estudar muito o equipamento
a ser consertado, mas a verdade é que tal classe sequer faz algum curso
a respeito do assunto. Salvo uma minoria considerada tola pelos demais, grande
parte desses trabalhadores nunca esteve em uma sala de aula ou outra oficina
para desenvolver o seu ofício, algo inacreditável. Composta por
homens que começaram sua profissão por acaso, essa classe social
demonstra pouco ou nenhum interesse no objeto de conserto, é muito comum
tais mecânicos desconhecerem por completo o nome de peças ou seu
funcionamento. O que muitas nações podem considerar como mediocridade,
em Anduri é o símbolo dos escolhidos.
Os Políticos
Só de abrir o jornal nas páginas de notícias internacionais
que veremos a corrupção como grande entrave dos modernos sistemas
políticos. Pouco consegue-se fazer para exterminar esse mal de vez, mas
Anduri conseguiu uma solução eficiente.
Anduri é um país cheio de vizinhos ora bondosos, ora maléficos,
como qualquer outro país. Suas políticas externas variam conforme
o governante atual, mas de uma forma geral os andurienses se demonstram bastante
passivos e subservientes com outras nações. Uma forma engenhosa
encontrada por suas mais brilhantes mentes políticas de conviver com
as nações do nosso planeta. Nesse oásis tropical reina
dominante a Democracia, um sistema político cuja maioria elitizada determina
o que é bom para todos. A voz do povo é encontrada nesses incansáveis
trabalhadores conhecidos como Políticos.
Apesar de política ser considerada uma ciência, muito discutida
na era clássica da Grécia, em Anduri (Ah, tão bonita e
simpática Anduri), a política não é um tema estudado
por aqueles que são políticos. A cada quatro anos é convocada
uma eleição geral para decidir quem será o Presidente da
República, os Senadores, os Governadores, os Deputados Federais e Estaduais,
os Prefeitos e por fim os Vereadores. O método de escolha de um candidato
pelo povo anduriense é um método muito complicado. Em geral tem
mais probabilidades de ganhar aqueles que foram músicos, pois seus jingles
são melhores, os palhaços, afinal o povo gosta de se divertir,
e os corruptos, por que sabem fazer obras.
Neste momento você se pergunta se leu certo. Isso mesmo! Corruptos são
uma peça chave na política de Anduri. Execrados em outros países,
os ladrões, chantagistas, oportunistas e demais assemelhados tem uma
vida fértil na política pública de Anduri. São eles
os responsáveis pelas maiores e mais faraônicas obras do país,
como o grande túmulo ao Eleitor Desconhecido, o Hospital de Doenças
Incuráveis e Intratáveis Antônio Plínio, os Jardins
Suspensos da Casa Presidencial e a mais cara e complexa de todas as obras: A
Câmara dos Deputados. Baseados em slogans de "Roubar sim, fazer também",
os políticos de Anduri nutrem o respeito com todos os seus cidadãos.
Parte do bom desempenho demonstrado por esses nobres doutores advém de
suas comodidades e regalias pagas de bom grado pelo contribuinte. Cada servidor
tem direito a dez empregados que podem ser distribuídos entre secretários,
responsáveis pelo trabalho burocrático, e ajudantes, nesta classe
estão as faxineiras e cozinheiras.
Além de moradia paga pelo estado, carros, passagens de avião,
e vários auxílios que seria impossível listar em tão
poucas linhas. Um tratamento de rei para quem nos trata como realeza.
Os Servidores Públicos
Outra peça fundamental na bem mantida burocracia estatal é o
Servidor Público. Este funcionário determinado serve aos cidadão
andurienses como serve aos seus próprios filhos. Para eles não
há tempo ruim que os faça desistir de ir trabalhar, o serviço
pesado descorre de terça a quinta apenas com o descanso para o café
da manhã, o almoço e o lanche da tarde nas suas corridas vinte
horas semanais.
Esses cidadãos são conhecidos por sua alta capacidade de passar
em concursos públicos e por seus empregos estáveis. Mas a sua
força reside em conseguir "dar um jeitinho".
O "jeitinho anduriense" é internacionalmente conhecido. Todos
os turistas que já estiveram em nossa bela nação tiveram
que "liberar um faz-me-rir" ou "ajudar para ser ajudado".
Através desta política de ajuda mútua, grande parte dos
problemas são resolvidos deixando a população despreocupada
com minucias burocráticas. Enquanto países desenvolvem sua doutrina
em O Capital ou outro tratado qualquer, o povo de Anduri se orgulha de dizer
que vê seu sistema organizacional no livro de Kafka, O Processo.
Os Jornalistas
A imprensa livre. Algo tão almejado em países em processo de democratização,
sequer foi pensado em Anduri. Todos os jornalistas não-formados deste
país (os jornalistas não necessitam de diploma ou algo do gênero),
são contratados por setores da sociedade e refletem suas notícias
conforme o interesse dos contratantes. Nada mais justo!
Em Anduri também há a imprensa underground, contratada geralmente
por grandes conglomerados internacionais, eles tentam desestabilizar o governo
democrático com noticiosos de outros países, porém o povo
anduriense nasceu vacinado para não cair em tais despautérios
vindos de fora.
Todo jornalista recém chegado ao mercado aprende logo o seu preço
e pelo lado de quem deve lutar, formando opinião para aqueles que não
conseguem tê-las por si só. Através de gravuras, nossos
jornalistas conseguem transmitir suas ideias para a população...
Gravuras? Isso mesmo porque em Anduri...
Os Professores
Todos sabem que a educação é a chave para um bom desenvolvimento.
Esta é a base para um povo educado e consciente de seus deveres. Porém
como pode esses pensadores da educação explicar o sucesso de Anduri?
A educação formal em Anduri é opcional, assim como a alfabetização.
Poucos sabem ler, e os que se metem nessa enfadonha tarefa geralmente se torna
um analfabeto funcional, o que já é alem do necessário.
Logo a classe de professores é pequena e escassa em algumas regiões
do país, tornando o acesso à educação formal uma
não necessidade.
E aqueles que teimam em estudar? Primeira diferença encontrada no sistema
anduriense é a aprovação automática. Desde tempos
remotos nenhum cidadão é obrigado a estudar para passar de ano
ou qualquer outra baboseira inventada pelos "cultos ocidentais". Para
se formar basta se matricular e ter um comparecimento em pelo menos 20% das
aulas dadas, mais do que o suficiente para educar nossos cidadãos do
futuro.
Por causa dessa política genial, muitas profissões sequer existem
em Anduri, como é o caso do escritor. Esse ser amaldiçoado que
apenas serve para alienar jovens em outras nações, na nossa gloriosa
nação sequer encontra espaço para exercer tal ofício.
Imagine a perca de tempo se todos os cidadão resolvessem ler um livro
por ano? Pensando nisso os governantes não mantém bibliotecas
ou e sobretaxam livrarias ou mercados que desejem trabalhar com tais objetos
da perdição. Mais um ponto para Anduri!
Os Clérigos
Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra divina, não
importa qual! Com esse sloagan na cabeça, o governo anduriense, consciente
de seu papel social, incentiva a criação de templos em todo o
país, levando a religião para lugares inacessíveis.
Graças a contratos firmados com o estado, templos conseguem fazer com
que dízimos sejam diretamente descontados no holerite do trabalhado,
poupando-o de eventuais esforços para se manter em dia com suas obrigações
como fiel.
Como a maior parte da população não consegue ler seus textos
sagrados, esses são recitados pelos clérigos nos templos dedicados
ao divino. Alguns estudiosos, todos eles estrangeiros, dizem que há várias
discrepâncias na palavra escrita e na falada, mas apesar disso tudo a
fé continua inabalável em Anduri. Ámen!
Conclusão Precipitada
Anduri é um país de contrastes, que fazem dele a nação
tropical mais diversificada e linda que pode ser encontrada nesse planeta. Seu
estilo de vida e de não-pensar deveriam se tornar exemplos para os países
de primeiro mundo. Talvez se estes tivessem a mesma visão que os andurienses
tem, eles também poderiam desfrutar de um lugar agradável para
se viver.
Um viva a Anduri, e que esta seja um farol para outros países!