O perfume da primavera exalava naquelas flores. E foi a primeira vez que Benício
olhava fascinado para o pequeno jardim lá fora. Percebia que o mundo
era grande demais para percorrer com os seus pezinhos, enquanto que as suas
mãos eram muito pequenas para capturar uma borboleta que esvoaçava
ao seu redor. Sentia vontade de registrar esse momento, mas infelizmente apenas
a linguagem verbal era o único meio de descrever o que presenciara ainda
criança.
Os anos floresceram. E aprender a ler e a escrever foram os primeiros passos
para registrar finalmente todas as suas impressões sensoriais acerca
do mundo. Entusiasmado, carregando consigo pensamentos e ideias de uma
criança de oito anos, toma coragem e escreve as primeiras linhas da sua
vida:
Meu jardimA borboleta amarela voa.
O pássaro bebe água.
O sol brilha.
Um sorriso incontrolável o domina, seu coração bate a
mil por hora. Olha orgulhoso a sua pequena obra-prima. Depois guarda o papel
num lugar secreto, como se estivesse escondendo um valioso tesouro.
Findo a primavera, o verão aquece ainda mais o desejo de aprimorar o
uso da escrita; para enriquecer o vocabulário, lê diversos livros
e aprende a usar o dicionário. Aos doze, tira do esconderijo o que escrevera
na sua meninice e reescreve:
Meu jardimUma borboleta amarela voou para o meu jardim.
Tem um pássaro bebendo água da fonte.
Lá em cima o sol brilha. Ele sorri para mim e para todos.
Após escrever essas linhas, sorri satisfeito; e novamente coloca no
lugar o seu maravilhoso tesouro.
O verão deixa saudades, enquanto que o outono teimava em chegar: as folhas
caíam para ceder lugar a novos sentimentos. Benício: 15 anos,
adolescente, cabelos compridos, pura adrenalina, geração saúde.
Resolve pegar aquela folha de papel que registrara anos atrás. Lê
ironicamente, ora avaliando, ora reprovando. Apaga o que escrevera em épocas
remotas, pega um lápis, capricha na letra e descarrega uma bomba:
Meu jardimHá uma borboleta psicodélica no meu jardim. Agarro-a e faço dela parte da minha coleção, espetando para sempre o seu último alvorecer.
Vejo um pássaro totalmente branco: penso na paz no mundo e na harmonia entre os homens.
Conheci o maior dos sentimentos universais: o amor. Débora é a minha deusa, a minha rosa, o meu sol.
Novamente guarda o papel. Com os olhos cheios de confiança, veste a
roupa da ousadia, pega a sua mochila cheia de sonhos e sai para o mundo.
O outono amarelou o tempo, cedendo lugar ao inverno. E o ar frio congelou -
por algum tempo - a paisagem da vida. Enquanto Benício entrava em casa
naquele dia, viu no semblante do avô a marca da morte. Aos dezessete,
ele aprendera naquele instante a brevidade da vida.
Após o seu enterro, as lágrimas secaram graças ao calor
dos amigos e dos parentes. Benício respira fundo, pega aquele velho papel,
uma caneta e reescreve:
O inverno chegou. E junto com ele, soprava um vento gelado que dava calafrios.
A borboleta pousou no meu jardim, transformando-se numa mariposa enorme e negra. Beijou-me na face, trazendo pela primeira vez o beijo da morte. Era insípida, fria, inodora, vazia.
O pássaro branco perdeu as suas cores, tornando-se cinza. Transformou-se num corvo, grunhindo sem parar aquela palavra vil que acabara de conhecer.
O sol escureceu, sendo apagado pela noite.
Em seu quarto, com os olhos vermelhos de tanto chorar, guardava no local secreto
a sua tristeza. Depois, olha para uma foto, e sorri. Era o retrato da Débora,
despertando nele várias lembranças; e um futuro que ainda será
escrito por ele. Com ela.
Súbito, o inverno derrete com a chegada da primavera.
E as areias do tempo escorrerão mais uma vez. E a primavera irá
embora. E em breve surgirá outro verão, outro outono e outro inverno.