Já era bem de madrugada quando ele colocou água fresca no copo
e então viu. Viu aquela luz forte, branquíssima, se aproximando
pelo corredor, até aparecer, tomando os batentes da porta da cozinha.
Ela era alva, muito alva. Suas asas, suas penas - quanta luz, meu deus. Mas
dava pra fitá-la sem cansar a vista, dava pra reparar bem as suas vestes
de anjo, seu atraente decote apertando de leve os seios - claríssimos
- de onde cintilavam as purpurinas prateadas que os enfeitavam. Os cabelos como
de estrela de cinema, pareciam brancos. Mas não eram: eram de prata.
O batom tornava madrepérola os lábios da boca mais bem desenhada
e cheia de esplendor que algum dia pudesse ter visto.
Ele estava calmo. Seu coração acelerou e bateu com mais força,
mas ela, irradiante, nem chegou a perceber. Só o via calmamente bebendo
a água, sem nenhuma pressa, sem tirar-lhe os olhos, encantado.
Com a voz tranquila, perguntou meio ansioso:
- Como é feito o brilho de suas vestes?
- Você é muito bonito - disse ela - você é uma pessoa
muito bonita - continuou dizendo, sem responder à sua pergunta.
Mas ele insistiu:
- O que você está fazendo aqui hoje? Porque você brilha tanto?
- falou, deixando o copo sobre a mesa.
- Não se incomode. Eu vim pra você me conhecer. Venha! - e fez
um gesto, baixando devagar os olhos, convidativa.
Com dois passos provou o sabor divino de seus lábios, sentiu na ponta
da língua a textura aveludada de seu pescoço sideral, passou os
braços em sua cintura até tocar as suas asas, apertando-as levemente,
sentindo também seus seios, suas pernas, seu cheiro e sua luz, que foi
aumentando, aumentando até envolvê-lo por completo - frágil
planeta sem órbita, que já não distinguia mais nenhuma
luz.
Só restou o cheiro azedo dos recém-nascidos enquanto, de volta,
percorria alegre e bêbado a via láctea.