A Garganta da Serpente
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Lágrimas de Jesus

(Paulo Barretto)

Jesus medita sobre a missão que o Pai lhe confiou: ir a terra para levar a Boa Nova. Sua memória registra a peregrinação pela Galileia onde pregou para as multidões e os acontecimentos que culminaram com seu sacrifício no Gólgota. Sua mente vaga pelos tempos posteriores a crucificação, lembra-se dos primeiros adeptos da Doutrina do Caminho e das dificuldades que encontraram para pregar o Evangelho. Surgem na sua memória as figuras dos santos e mártires do passado.

Outros pensamentos acodem à intimidade do Mestre. Seu semblante aos poucos se modifica e sua expressão se torna triste e pensativa. Em sua retina espiritual começam a aparecer visões dos primeiros desvios dos seus discípulos na interpretação e vivência da doutrina que ensinou. Confrontos de personalidades, vaidades, disputas por lideranças, divergências sobre a interpretação dos ensinamentos, ciúmes, inveja, jogo de interesses, enfim uma sucessão de acontecimentos que distorceram a pureza e a beleza original de sua mensagem..

Com o passar dos anos modificações radicais foram feitas na organização interna, priorizaram o poder temporal, e com ele a gestão política e econômica. A pureza da sua revelação foi sendo conspurcada por desvios doutrinários.

Vê com tristeza e dor na alma que através dos tempos muitos de seus discípulos se desviaram da essência do que ensinou e, em seu nome, praticaram atos ignominiosos de perseguição, de tortura e até de eliminação física de seus desafetos. A Inquisição, quando comandada pelas figuras sinistras de Tomás de Torquemada e Inácio de Loióla, confiscou bens, aprisionou, torturou e matou sem piedade muitos daqueles que contrariaram seus propósitos. As Cruzadas se proclamavam santas, mas se tornaram instrumentos do mal e mancharam a história do Cristianismo. A Noite de São Bartolomeu onde milhares foram mortos por questões religiosas e as disputas entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte são outros exemplos do fanatismo religioso exacerbado, que coloca cristãos contra cristãos, contrariando o que Jesus ensinou.

E nos dias atuais, quando chega o Natal, data que deveria ser de reflexão, recolhimento e meditação sobre os ensinamentos da doutrina cristã e da vida missionária do Cristo, o que se vê é uma minimização dos valores espirituais e o crescimento de práticas que se assemelham àquelas praticadas por seitas pagãs. No dia em que se comemora o nascimento do Cristo o desejo da maioria é desfrutar de opíparos banquetes regados a vinhos e outras bebidas alcoólicas. Os preparativos começam bem antes da festa natalina. A mesa lauta é cuidadosamente preparada. A ceia da véspera e o almoço de Natal têm como pratos principais vários tipos de carnes. As vítimas inocentes são os bovinos, porcos, frangos, perus, carneiros, cabritos, peixes, mariscos e outros. A matança passa a ser rotina, o sangue jorra em profusão e mais de cem milhões de animais são sacrificados impiedosamente. Vísceras fumegantes de animais mortos, que deviam causar repugnância, parecem apetitosas por perversão do olfato e do paladar.

Desapareceu o verdadeiro espírito do Natal que é feito de valores espirituais, de recolhimento, de frugalidade, de meditação e de religiosidade. É uma perversa ironia promover um banho de sangue, um extermínio em massa para homenagear o meigo peregrino, o manso de coração, o Cordeiro de Deus. Em nenhuma passagem do Evangelho sua sublime figura aparece destrinchando ou se alimentando de carnes de animais. Suas refeições eram frugais, contentava-se com um pedaço de bolo, um pouco de mel e suco de cerejas.

Jesus, em algum lugar do infinito observa todos esses acontecimentos. Constata que o espírito cristão de solidariedade e amor, ainda não foi assimilado pela maioria dos homens. Compassivo, procura compreender e perdoar, mas ao ver a insensibilidade e a indiferença do homem pela dor e sofrimento impostos aos animais sacrificados, não consegue evitar que seu coração seja invadido por forte emoção e profunda tristeza. Seus olhos marejam e Ele chora.

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