Jesus medita sobre a missão que o Pai lhe confiou: ir a terra para levar
a Boa Nova. Sua memória registra a peregrinação pela Galileia
onde pregou para as multidões e os acontecimentos que culminaram com
seu sacrifício no Gólgota. Sua mente vaga pelos tempos posteriores
a crucificação, lembra-se dos primeiros adeptos da Doutrina do
Caminho e das dificuldades que encontraram para pregar o Evangelho. Surgem na
sua memória as figuras dos santos e mártires do passado.
Outros pensamentos acodem à intimidade do Mestre. Seu semblante aos poucos
se modifica e sua expressão se torna triste e pensativa. Em sua retina
espiritual começam a aparecer visões dos primeiros desvios dos
seus discípulos na interpretação e vivência da doutrina
que ensinou. Confrontos de personalidades, vaidades, disputas por lideranças,
divergências sobre a interpretação dos ensinamentos, ciúmes,
inveja, jogo de interesses, enfim uma sucessão de acontecimentos que
distorceram a pureza e a beleza original de sua mensagem..
Com o passar dos anos modificações radicais foram feitas na organização
interna, priorizaram o poder temporal, e com ele a gestão política
e econômica. A pureza da sua revelação foi sendo conspurcada
por desvios doutrinários.
Vê com tristeza e dor na alma que através dos tempos muitos de
seus discípulos se desviaram da essência do que ensinou e, em seu
nome, praticaram atos ignominiosos de perseguição, de tortura
e até de eliminação física de seus desafetos. A
Inquisição, quando comandada pelas figuras sinistras de Tomás
de Torquemada e Inácio de Loióla, confiscou bens, aprisionou,
torturou e matou sem piedade muitos daqueles que contrariaram seus propósitos.
As Cruzadas se proclamavam santas, mas se tornaram instrumentos do mal e mancharam
a história do Cristianismo. A Noite de São Bartolomeu onde milhares
foram mortos por questões religiosas e as disputas entre católicos
e protestantes na Irlanda do Norte são outros exemplos do fanatismo religioso
exacerbado, que coloca cristãos contra cristãos, contrariando
o que Jesus ensinou.
E nos dias atuais, quando chega o Natal, data que deveria ser de reflexão,
recolhimento e meditação sobre os ensinamentos da doutrina cristã
e da vida missionária do Cristo, o que se vê é uma minimização
dos valores espirituais e o crescimento de práticas que se assemelham
àquelas praticadas por seitas pagãs. No dia em que se comemora
o nascimento do Cristo o desejo da maioria é desfrutar de opíparos
banquetes regados a vinhos e outras bebidas alcoólicas. Os preparativos
começam bem antes da festa natalina. A mesa lauta é cuidadosamente
preparada. A ceia da véspera e o almoço de Natal têm como
pratos principais vários tipos de carnes. As vítimas inocentes
são os bovinos, porcos, frangos, perus, carneiros, cabritos, peixes,
mariscos e outros. A matança passa a ser rotina, o sangue jorra em profusão
e mais de cem milhões de animais são sacrificados impiedosamente.
Vísceras fumegantes de animais mortos, que deviam causar repugnância,
parecem apetitosas por perversão do olfato e do paladar.
Desapareceu o verdadeiro espírito do Natal que é feito de valores
espirituais, de recolhimento, de frugalidade, de meditação e de
religiosidade. É uma perversa ironia promover um banho de sangue, um
extermínio em massa para homenagear o meigo peregrino, o manso de coração,
o Cordeiro de Deus. Em nenhuma passagem do Evangelho sua sublime figura aparece
destrinchando ou se alimentando de carnes de animais. Suas refeições
eram frugais, contentava-se com um pedaço de bolo, um pouco de mel e
suco de cerejas.
Jesus, em algum lugar do infinito observa todos esses acontecimentos. Constata
que o espírito cristão de solidariedade e amor, ainda não
foi assimilado pela maioria dos homens. Compassivo, procura compreender e perdoar,
mas ao ver a insensibilidade e a indiferença do homem pela dor e sofrimento
impostos aos animais sacrificados, não consegue evitar que seu coração
seja invadido por forte emoção e profunda tristeza. Seus olhos
marejam e Ele chora.