Já tivera dias de primavera em pleno inverno . E eram todos claros
e azuis, límpidos e transparentes.
Dava bom dia, ao sol que ainda nem se mostrava. Dava boa noite à Vesper
luzente no ocaso colorido. Em cores, vivia sua vida, eterno cinemascope.
Não precisava pedir nada. Tinha sempre tudo à mão: chuva,
ventos, calmaria, brisa, trovão. Se quisesse um pouco de paz, tinha gorjeio
de pássaros. Se quisesse sossego, tinha intimidade entre as folhagens.
Desejando dançar, tinha o lago e as cachoeiras com músicas. Era
livre para andar nu, rasgado, descabelado, remelento, limpo até a alma.
Podia gritar, cantarolar e ninguém reclamava. Sussurrava, chorava e ria...
fazia o que bem quisesse, rezava, até!
Comia na hora que desse fome, dormia quando o sono chegava. Acordava com o romper
do dia. Era livre para ver o que quisesse, na hora que bem entendesse. Cuidava
de seu quintal, ia à mercearia do povoado. Tomava banho de cachoeira
pelado, os pelinhos todos se arrepiando, o frio insinuando-se no corpo inteiro.
Trabalhava e sonhava na rede esticada na varanda. Bastava-se. Completa e infinitamente
solidão. Plena e benfazeja distância.
Não fosse a finitude da vida, jurava que estava no Paraíso.
Mas fazia uns dias que começara a questionar sobre os dias e as noites
e a inquietude começara a se instalar. Já não dava bom
dia ao sol ou boa noite aos pirilampos. Tudo lhe parecia um encompridamento
só. Não descansava mais e o corpo doía inteiro.
As perguntas ficavam no ar irrespirável. Não achava respostas
em suas leituras, em seus banhos, em sua rede.
A que viera, para onde iria, quando sairia de cena.
O medo morava fundo. Não dormia, não acordava. Só doía.
Doía inteiro por todo o sempre.
Não mensurou tempo porque dor não tem marcação.
É longa demais o tempo todo. Mas ficou assim doendo uma infinitude até
decidir partir.
Anda, agora, pelas esquinas, sem identidade, que no inferno não se tem
nome. Solitário tempo integral, não vê a hora de alçar
voo. Dói inteiro. Viver para quê?