Oriana tinha mania de se apaixonar por homens gordos e casados . "É
tara", resmungava a mãe, sabedora dos amores da filha. Úrsula
só gostava de fortinhos e gays, que despedaçavam seu coração
quando diziam que não tinham o menor tesão por ela. "O que
eu fiz pra ter duas filhas tão burras?" perguntava-se Dona Dalva,
com todas as esperanças de normalidade sentimental depositadas em Helinho.
O rapaz namorava firme uma moça, mas não apresentava à
família. "Lógico, com uma família maluca dessas...
Uma irmã só quer ser amante. A outra, não quer ter amante,
quer amor platônico. E a mãe, coitada, já se fechou pros
homens há muito, há muito!"
Celeste, namorada de Helinho, era batalhadora. O menino não dizia quase
nada sobre a moça. "Deixa, as meninas contam tudo sobre os vagabundos
e viciados de quem gostam. Celeste trabalhava como secretária na faculdade
"para ajudar a pagar os estudos do irmão mais moço, imagina,
que moça de valor". O namoro progredia, Helinho quase não
parava em casa. Um dia, Helinho contou que ia se casar. "Com que dinheiro,
menino, você mal saiu da faculdade, ainda está ganhando muito pouco,
vai morar aonde?", bradou Dona Dalva. Celeste estava grávida.
No sábado à noite, céu estrelado, ficaram esperando a noiva
no terraço da casa de vila. - Acho que ela é feia, apostava Oriana.
"Magra e muito feia". - Ela é preta. Ou, pior, mulata clara,
com cabelo pintado de louro farmácia. Secretária é sempre
loura de farmácia, garantia Úrsula.
- A família aceitou bem a gravidez, mas acho que eles deveriam morar
conosco, não com os pais dela e o irmão. Tem muito homem lá.
Aqui só tem mulher, Helinho é o homem da casa.
A cabeça de Helinho surgiu, vindo da escadaria, seguido por um vulto
de mulher. Dona Dalva avançou correspondendo ao sorriso da mulher graúda,
pesadona, cabelos compridos de longos cachos que escapavam de um imenso rabo
de cavalo.
- Menina, Helinho não me disse que Celeste tinha uma mãe tão
jovem e bonitona! Mas esses meninos não contam nada mesmo, né?
Não contavam mesmo. Nem que a morena radiante, aparentando uns 40 anos,
era Celeste, secretária da faculdade, carregando o ultrassom do feto
único, de aproximadamente doze semanas de gestação.
- ...
- Mozão, você não contou sobre a gente? Sua mãe pensou
que eu fosse a minha mãe...
- Mas você não está grávida?
- Aos 42 anos é um milagre, não? A gente ficou tão feliz.
Este bebê tinha que vir mesmo. E já temos o nomezinho dele.
- ...
- Se for menino, Sol, se for menina, Luz.
- Bonitos nomes.
- É que descobrimos que somos todos cósmicos por causa dos nossos
nomes. Oriana vem de Órion, Dalva, da estrela d´alva, Úrsula
é a constelação da Ursa Maior, Hélio, o Sol. Eu,
o firmamento, minha mãe, a lua, meu pai, Hermes, é Mercúrio,
o planeta. Somos cósmicos, viram? Estava escrito que deveríamos
nos unir numa só sintonia.
- Só tem um porém nessa teoria sua.
- Qual?
- O pai do Hélio se chamava Roberto.
- Por isso ele não está entre nós. Se estivesse vivo, quebraria
a sintonia cósmica.
Se Roberto estivesse vivo, Oriana não teria coragem de se envolver com
homens casados, Úrsula nunca iria gostar de gays, Helinho não
teria engravidado uma velha e Dona Dalva não correria o risco de ter
mais descendentes estúpidos.