Cheguei em minha casa no horário de sempre. Fiz as mesmas coisas que
a comodidade inconfortável da rotina me obriga. Pus as chaves sobre a
mesinha que fica próxima a porta principal do apartamento, por onde entrei;
tiro os sapatos ali mesmo. Ao passar pela mesa da sala de jantar deixei minha
camisa por sobre uma cadeira e gritei por alguém...Ninguém em
casa.
Aproveitei minha completa solidão ali para relaxar. Comi algumas sobras
do almoço, restos da rotina que insiste em me perseguir, e fui para o
meu quarto, mantendo as luzes apagadas. Prefiro assim...
Pus uma música - Enigma, uma ótima banda - e sentei em
minha poltrona. Lentamente fechei os olhos, recostando a cabeça no conforto
de meu trono. Meus músculos foram, um a um, relaxando, como se cada fibra
fosse estirada; como se cada sinapse fosse desfeita. E lentamente fui adentrando
àquele estado de transe, em que não sabemos ao certo se estamos
dormindo ou acordados.Àquele ponto em que os sentidos nos traem. Logo
tive uma estranha sensação de que meu corpo começava a
perder contato com o couro da poltrona, como se flutuasse, inclinado-se para
trás; comecei a sentir todo meu corpo formigar. Senti um enorme calafrio,
que me forçou a abrir os olhos. Tudo normal. Senti-me aliviado, apesar
de, de certa forma, decepcionado.
Novamente, fechei os olhos e encostei a cabeça. Mais uma vez, tive a
impressão de que meu corpo levitava, executando um movimento rotacional
para trás. Desafiei meu receio e mantive os olhos cerrados. As rotações,
inicialmente lentas, estavam cada vez mais rápidas. O som da música
que ouvia, perdia-se em meio a um silêncio ensurdecedor... Aterrorizante...
O medo já tomava o lugar da segurança que eu tinha na possibilidade
de abrir os olhos e estar sentado no mesmo lugar, em minha poltrona, no canto
mais escuro do quarto.
Resolvi abri-los. Inicialmente, vi apenas uma linha branca cercada por um oceano
negro, depois de alguns instantes esta foi transformando-se em uma infinidade
de pontos, ia diminuindo até torna-se apenas um, estático em minha
frente, mas a uma grande distância. O silencio imperava.
Eu estava de pé, mas sobre o que? Eu não via nada ali, além
de uma incomensurável escuridão. Levantei a vista em direção
ao ponto luminoso. Estendi o braço, lenta e amedrontadamente para tentar
tocá-lo, quando este se aproximou de mim a uma velocidade impressionante;
crescendo e tomando forma. E aquele pequeno ponto transformou-se em uma imagem.
Cena conhecida por meu subconsciente. Senti uma incrível dor de cabeça,
que me jogou de joelhos e com os olhos fechados ao "chão".
Esta sensação amargou por alguns segundos, mantendo-me imóvel.
Passada a dor, abri os olhos e a imagem havia sumido. Olho para o lado e vejo
outra cena, viro mais uma vez, outra, sempre cenas conhecidas, passagens de
minha vida expostas a cada movimento de meus olhos, num movimento frenético,
quase caótico.
Aquele fluxo atordoante começa a afetar minha sanidade. Começo
a correr em direção as cenas, mas nunca chego. É como se
eu não saísse do lugar. Na verdade não tinha certeza se
corria...Não conseguia ter certeza de nada...
De repente, todo aquele cenário desaparece dando lugar à escuridão,
deixando-me novamente apreensivo. E agora? Continuo a olhar sem direção
para um imenso vazio preenchido de escuridão e dúvida. O desespero
povoa minha mente. Quero sair daqui, mas como?
Novamente, tenho a sensação de que meu corpo gira, mas não
há como saber, pois não há referenciais, está tudo
muito escuro. Sinto-me cada vez mais veloz subitamente, uma dor incontrolável
perfura meu crânio como se o lado direito estivesse sendo lentamente esmagado.
É tamanha que começo a ouvir a voz da minha filha dizendo: "calma
pai! Estamos chegando ao hospital. Você vai sobreviver" E aquelas
palavras foram ecoando na minha mente até desaparecer em meio aquele
silêncio ensurdecedor. Estou enlouquecendo! É isso!! Meu Deus,
o que está acontecendo?! Por que?!
A dor não cessa! Começa a irradiar-se por todo meu corpo dilacerando
minha carne. Vai aumentado mais, mais e mais. Está insuportável!
Está sumindo! A dor... A dor está sumindo! Meu corpo parece tão
leve agora. Aquela imensidão negra começa a torna-se mais clara...
Parece que forma uma imagem. O que está acontecendo agora? E ali estou
eu, deitado numa mesa de operações... Sem médicos. Onde
estão os médicos? Olho para meu lado e vejo minha esposa gritar
e chorar para um homem numa roupa toda azul. O que está acontecendo?
Olhei para meu outro lado, parecia o mesmo corredor que havia visto minha mulher,
e vejo minha filha sentada, posso ver claramente seu rosto...Tudo parece acontecer
em câmera lenta. Os sons misturam-se, não podendo ser compreendidos
por mim. São lágrimas que escorrem no rosto de minha filha?
- "Pai, Por que?"
- O que minha filha? Estou aqui! O que ouve?
- Por que você tinha que morrer assim
- ...