Chi! Macolorido no seu íntimo acolhimento, catadura de gingona. Dizia
um dos meus vizinhos e convizinhos da formatura aparentemente agastado pela
incontinência das palavras à guarda do mutismo sigiloso onde as
ignóbeis criaturas normalmente não ligam.
E como observador exigente quis acreditar vendo.
Sorvei um gole de coragem para vigorar o espírito desvelado de sonhadores
disfarçados, libertando a atenção às fofocas. Torci
o olho à taxia dos factos e eis a pluralidade do esplendor que até
trazia em claro as chamas do Minigolf fotografando as almas desvairadas agitando
vigorosamente os corpos.
Eram assim aquelas cores reflectidas pelo sol naquele corpo suavemente ondeando
no seu ofício de encantar até os Deuses que de forma galopante
aproximava como se fosse uma flecha rubra e furiosa assestando os olhos indefesos.
Mesmo assim, pertinaz, afastei o auspício da cegueira que perceptivelmente
importunava a visão limpa e fitei-a de cima para baixo, da direita à
esquerda e vice versa.
Vestido azul com chumaço solavancando os ombros; tetas descabidas no
peito à moda actual de soutiens incompletas e abaixo ligeiramente descaídas.
Justo saínho furtivamente desalongado com brechas à moda deixa
sofrer. Sapatos cor de rosa com zips luzentes e salto bem alto de tocar as nuvens
sem esforço. E na cabeça a tecelagem rotulando o seu ofício
à moda antiga do cabelo com cordas macias e brilhantes cor castanha da
pele que os homens lúcidos presentes apelidaram de mechas.
Rosto franzino e mansinho de deslizar o cebo sem sequestros, com meigos olhos
de cativar bargantes na sua falsa megalomania convidativa. E o golpe sensual
emergindo daquelas unhas púrpuras aparentemente envernizadas e estateladas
na boca daquela pastinha nova e levemente recheada; murchando lindamente o ombro
e amealhando a atenção daqueles inúmeros olhos viajantes
que em silêncio colectivo e instantâneo cruzaram serenamente os
olhos naquela magia jamais surjira que ondulantemente invadia com uma dose de
ímpeto e petulância degrau por degrau o acesso à intimidade
daquela pobre gente aparentemente molestada.
E para desviar a intenção obstrutiva daquela toda desarrumação
dentro, prontos:
- Abra espaço senhor, e deixe passar essa senhora aí...duas filas,
um caminho aí... encoste senhor!
E prosseguia olhando para o fundo do meio donde a luz sorria
- Feche esse espaço senhor, encolhe a barriga senhora ou paga o dobro...
ou então sai.
Cobrava a quem de direito devia se restituir o espaço alheio para mais
um, dois... lugares licitamente habitados numa algazarra de protestos contra
nhyma hy rheve.
E na estreita porta do ónibus em que seguia a minha aventura pousava
o milagre suavemente no soalho em degraus oscilando até aquele pé
lindamente embrulhado e suspendia a marcha do outro convergindo serenamente
como quem entra no ceu pela primeira vez; estendendo a voz inefável das
palavras raras "com a licença" na hábil vibração
suave do som vaporoso e suspenso como ela, regra pura dos homens da boa fama.
Só que a voz que torce os tímpanos à plebe não desassossega
o vício indiferente dos homens impuros cheios de vigor.
Havia que dissitiar energicamente a módica passadeira entre ombros e
costas de duas formaturas desarranjadas que um simples favor descabia naquele
silêncio inconcusso. E prontos, desarranjando por completo o rosto mansinho
matou o sorriso fingidor evocando enérgicas possessões em sigilo
íntimo e impávida rasgou as rédeas da mente verticalizada,
abrindo o espaço por alí desencontrado. Localizou provisoriamente
entre vizinhos e convizinhos da fila o seu soalho acolhedor, fixou-se e seguiu
de baixo do Homem vigiando-lhe o sossego.
Um Homem de cinco brechas cicatrizadas no rosto fitando-lhe as aparências
e concluiu...
Encostou-lhe sossegadamente e disse:
- Pisaste-me!
Levantou o queixo e devagar olhou para ele e num gesto modesto de descartar
despercebidamente aquele acto provocador replicou honestamente a vítima
sem porfias.
- Desculpe-me
Murmurou o falso lesado num jeito enfadonho aparentemente amistoso desconcentrando
a vítima e zás!
Ich!... bradou ela, majestosamente desapossada num acto espectacular em que
só dez vizinhos sossegadamente assistiram.
- Com a licença senhor! prosseguiu coitada, toda ela desesperada.
Ao que virou a cara arrogantemente o másculo homem atroz e cuspiu-lhe
a desgraça nos olhos recheados; aquele bárbaro cheio de desgraças
dos outros desgraçados sorriu dispondo-lhe de duas das suas brechas profundas
para que a malfadada depositasse suas desnecessárias lágrimas
e esquecer a dor; ao que acedeu compulsivamente. Sugou-lhe até aos nervos
com os seus lábios massudos dos sulcos os últimos pingos de desafecto
de modo a despistar o grito indesejável dos vizinhos que por inércia
romperiam o silêncio mantido.
Ciciou-lhe pela última vez num jeito sarcasticamente amistoso de quem
avisa. Se gritas já sabes, deixe-me descer em paz ok! e ainda mais vá
em paz estás limpa sortuda! E mais ninguém ouviu-se no ónibus
naquela tarde além daquele ruído ensurdecedor sossegadamente caminhando
e lentamente se perdendo singularmente naquele silêncio inabalável.
Revertia o ronco a malfadada enquanto o ónibus convergia assobios nas
suas efémeras estadias, estava localizado o despejo da vítima.
Libertou-se vertiginosamente como se tivesse um trampolim de elásticos
no corpo para lhe serem fiéis ao fugir de calorias dum gajo enérgico
e furioso libertando esforço. E pousou peremptoriamente no asfalto fora
por detrás do ónibus em descargas e com um pé lindo desembrulhado
saboreou o prazer amargo de fabricar calos dolorosamente. Deu dois passos em
direcção ao outro lado da via mordendo furiosamente as cordas
esticadas no cabelo para acalmar o ânimo roedor da alma nos recônditos.
Reclinou o pescoço com o terceiro passo já no inferno, este já
proibido e absorta com a língua deslizando no hábito das palavras
não tardou a inércia perante o esplendor: Com a licença!
ante o salteador made in Transvaal, rubro e furioso de esbanjar duma só
vez uma soneca desvivida nas noites findas em vigília e prontos lá
se ouviu, êêêêêêee.... Torci o pescoço
para desafogar o rosto do espanto que me aflorara naquele instante e lá
estava... O silêncio tomou as nossas vontades, o asfalto gélido
e mais ninguém escapava a fervura do tremor, com as memórias todas
apagadas.
Segundos depois levanta-se a vítima mesmo ali estatelada e suspirou em
jeito de culpa; orou do outro lado de cá e para lá rogou acocorada
na eutimia da paz forjada sem ginganços, com a licença! ouvia-se
na porta larga doutro lado do mundo. para quê ninguém sabia, todos
nós embalsamados para viver depois.