Um dia, eu acho que foram vários, talvez anos, bem não me lembro
exatamente quando eu escutei, parecia-me que alguém estava a gritar,
mas achava que era fantasia de minha cabeça, o grito parecia um sonho
desses que nós temos de manhã e tende-se logo a esquecê-lo,
você tenta lembrar, mas não lembra, e fica sensação
do sonho, bem o tempo foi passando e aquele grito continuava como algo longínquo,
como um eco a reverberar, difícil de entender, inaudível, mas
o grito não era normal, era com certeza de alguém desesperado
e isso me afligia um tormento sem fim que estava ficando insuportável
naqueles dias, não me deixava dormir, o grito que eu escutava era inaudível,
um sussurro gritado, como um grito abafado pelos travesseiros, aquele grito
estava inundando minha cabeça, estava me deixando louco, cada vez mais
alto e ao mesmo tempo inaudível, o grito continha um choro bem baixo,
um choro perturbador de angústia ou de medo que apertava meu peito.
No final de semana resolvi sair, beber com meus amigos para me distrair, talvez
o fato de morar só e viver uma vida reclusa estava me afetando, no bar
aquele papo de sempre futebol, mulher, carro, mulher, futebol...
Mas entre um gole e outro os gritos estavam lá, o grito desta vez estava
bem alto, o grito eu escutei o grito claramente que dizia:
- ajude-me, por favor.
Um pavor percorreu todo meu corpo, um suor frio desceu de minha fronte e deixei
o copo cair no chão, e ele quebrou-se em vários pedaços
ainda com o reflexo do meu medo e falei:
- vocês ouviram esse grito?
Meus amigos olharam para mim espantados e começaram a rir e disseram:
- acho que você bebeu demais!Vamos, nós te levamos para casa.
Mas eu não estava bêbado, eu sei quando estou bêbado, mesmo
assim fui para casa contrariado, um grito desses como ninguém ouviu?Será
que dei para escutar vozes agora?
Chegando em casa sento-me na minha poltrona favorita e a mais cara também,
pois um homem que se preze tem uma poltrona macia e confortável para
assistir seu futiba e seus programas favoritos ou mesmo para ler um bom livro
depois de oito horas de trabalho, demorei doze meses para paga-la, mas valeu
cada centavo,enfim sento-me na minha poltrona, respiro fundo e acendo um cigarro
e escuto o silêncio como eu nunca o tinha escutado antes, mas o silêncio
durou apenas alguns segundos, de repente eu escuto o grito estou com a sensação
de que alguém estar esmagando meu peito, um sussurrar ensurdecedor de
gritos abafados como se alguém estivesse morrendo, torturado e pedindo
para ajudar-lhe.ligo a tevê rapidamente na tentativa de me distrair, em
vão entre um comercial e outro os gritos estão lá.
O tempo está passando muito devagar são duas e trinta e cinco
da manhã, desligo a tevê, vou a cozinha tomar um gole de café
para manter-me acordado, eu não posso dormir, não agora!
Minha visão está ficando turva, será que bebi demais mesmo?
Minha cabeça eu não aguento mais, aquele grito inundando
minha cabeça, não me deixa pensar aquele grito, aquele choro,
sinto-me desfalecer, não consigo manter meus olhos abertos, quanto mais
eu tentava não escutar os gritos, eles ficavam cada vez mais altos, acho
que vou vomitar sinto-me desfalecer...
Sinto alguém atrás de mim e os gritos estourando alto-falantes,
estou apavorado, não consigo abrir meus olhos, meus deus tem alguém
aqui!
Os gritos estão mudos somente o choro eu escuto, e as lágrimas
estão caindo sobre mim lágrimas mornas e amargas como sangue,
não mais pingavam, mas jorravam sobre mim ensopando-me de sangue ou lágrimas.
Tinha que ver quem gritava, chorava e sofria a quem eu ignorei por tantos anos,
não sei como, mas ele estava ali bem atrás de mim, tremendo de
medo tentei abrir os olhos e consigo um arrepio percorreu todo meu corpo, e
vi uma luz fúnebre que iluminava toda a sala, como se apenas uma vela
a iluminasse, a luz tremia, o resto era sombras e escuridão.
Quase desmaiando, virei-me de vez para ver quem chorava aquele choro familiar,
mas não consegui me lembrar aonde eu escutara, ao olhar para a figura
atrás de mim um grito de horror eu dei ao ver-me morto, sentado na minha
poltrona favorita.