As recordações da infância sempre nos assaltam a memória.
Buscamos as origens, procurando explicações para os fatos que
nos levaram a tomar determinados rumos em nossa vida.
Depois de longos anos afastado de minhas origens, ao saber que meu pai havia
falecido, resolvi voltar ao passado, rever os fantasmas que me haviam afastado
do convívio familiar.
Ao entrar no trem que me levaria àquela pequena cidade onde vivera na
minha infância,
as imagens começaram a chegar à minha memória... aquela
casa enorme, imponente, às margens do lago era o ponto marcante de tudo.
A obsessão com que meu pai fazia questão de marcar as origens
de nossa família, sempre entrava em choque com minha maneira de pensar.
A mansão familiar ocupava um amplo terreno, dominando o lago. Considerava
o ponto ideal para um hotel de luxo, aproveitando o visual, a topografia do
terreno. Seria realmente um grande sucesso. Poderia fazer fortuna com esse empreendimento.
Já havia uma incorporadora que desejava executar a obra.
Tentei convencer meu pai a fazê-lo. Negou-se peremptoriamente. Disse que
jamais macularia as tradições familiares por causa de dinheiro.
Jamais me esquecerei da última discussão... Trocamos palavras
amargas demais. Chamei-o de velho teimoso e retrógrado e coisas mais
pesadas. Terminei dizendo que iria viver minha vida, e que não queria
mais vê-lo... Mal sabia que não o veria mesmo.
Consegui relativo êxito em minhas tentativas, sempre tropeçando
no que meu pai sempre me dizia... minha precipitação, minha urgência
em querer conseguir tudo.
Muitas vezes me vi tentado a voltar, e reconhecer que ele estava certo. Mas
a teimosia era hereditária. Recusava-me a admitir minha incapacidade
para o enriquecimento que prometera a ele. Dissera que só voltaria após
fazer fortuna. Rira quando ele disse que a fortuna estava ali, nas origens da
família.
Ao desembarcar na estação, e pegar o táxi que me levaria
à mansão, que agora poderia vender e fazer o hotel de meus sonhos,
era só nisso que pensava.
Mas agora... sentado onde costumava ficar com meu pai... em um outeiro um pouco
afastado da mansão, local que propicia uma visão fantástica
da mansão, refletindo-a inteiramente nas mansas águas do lago.
Fiquei absorto contemplando aquela imagem que me levava à infância,
às conversas que sempre tivera com ele... e que tanta falta me fizeram
depois, nos tropeços que dei pela vida afora.
O casarão, imponente, lembrava as tradições que meu pai
tão ferrenhamente defendera. Acontece que sua imagem, curiosamente refletia-se
nas mansas águas do lago, como se estivesse de cabeça para baixo,
ou seja, ao contrário.
Naquele instante, as águas como que pararam, ficaram totalmente imóveis...
Vi então, o que fizera de minha vida... a deixara de pernas para o ar,
tentando provar alguma coisa, que agora me parecia totalmente irrelevante.
Por causa disso, dessas minhas ideias, tinha perdido anos de convivência
com minha família.
Essa imagem da mansão refletida no lago, fez-me ver o que fizera de minha
vida, movido por uma ambição sem limites.
Tomei então a decisão. Iria voltar àquele vetusto casarão,
trazer minha família e ensinar aos meus filhos toda a história
familiar, procurando fazer com eles possam sentir o orgulho que eu sentia quando
era criança, e que depois desprezei.
Espero que não tenham que sentir sua vida, como senti a minha, vendo
a imagem da mansão refletida nas plácidas águas do lago...