Gilberto. Era instalador do tipo que instala coisas atrás da televisão
das pessoas a fim de que a imagem delas melhore. Se algum dia melhorou, o conhecimento
disso lhe vetaram.
Depois da primeira instalação, na casa do penúltimo cliente,
Gilberto observou que era tratado do mesmo jeito em todas as casas e por suas
respectivas TVs: era como criado lá, capacho, servil descartável.
Também nos inúmeros reparos (irmãos siameses das visitas!,
ou faça um reparo sem entrar na casa ou ver a TV) que fazia para um mesmo
cliente, a idêntica cara rude; sentiam igual desprezo.
Seus produtos, com poucas modificações, se tornariam bons, porém
ninguém se importava já que a imagem deles de fato não
apresentava melhoras de qualidade.
Gilberto havia sido transferido para Belo Horizonte há dois meses.
Viveu sua vida inteira no Rio de Janeiro. Seu sotaque dos "s" puxados
era seu diferencial com o intuito de dar-lhe coragem para visitar grande quantidade
de gente num só dia e ver tanta cara diferente e rude. A transferência,
a liberdade no aumento do contato mais íntimo com mundos de todos fora
motivada por um amor docilmente apático e uma vontade de tocar em uma
televisão de garota especial.
Acontece que todas o foram. As mulheres que o recebiam à porta, cara
a cara com seu quarto botão de cima para baixo, tiveram a benção
de ter concebido uma filha adorável, "eternamente Cinderela"
e muda; Gilberto captava suas qualidades. Elas tinham, ele não as inventaria
caso contrário... provavelmente o animal inventaria. Porém, nenhuma
coxa que adorava de um modo geral ou nenhum lábio rascante de menina
como o dele, tão grosso quanto o de Gilberto. (E tão vermelho).
Gilberto nem entrava na casa às vezes, Gilberto nem via a menina. Pois
havia perdido o horário; preferiu ficar a dar lanhadinhas nas costas
com seu cabo de televisão e criando a dita qualidade desde o nascimento
parasita do orgulho nunca secreta em cada guria.
Ao número e endereço que seu patrão tinha dado, ele foi.
A senhora da porta, miraculosamente foi simpática. Ali era zona sul de
Belo Horizonte sem maresia:
- Oi, boa tarde. Eu vim pra instalação do equipamento.
- Adiantado demais, menino! O programa de minha filha ainda não terminou!
- Me desculpe, senhora, eu volto mais tarde então.
- Blãnh! - fez a porta.
Eu fui embora e Gilberto:
- Eu tenho outra instalação daqui a vinte e cinco minutos, senhora.
Posso ao menos começar meu trabalho deixando os cabos e acertando estas
três peças aqui? São tão pesadas quanto a TV... Olhe,
o programa de sua filha não é o que terminou?
- Ora, vá ver! Me deixe que tenho que terminar meu almoço. E tem
certeza que sabe mexer com essas coisas? Você é bem novinho!
Virando-se, a mulher depositou todo o peso da repelência da grande casa
na timidez corcunda de Gilberto. Perdera seu guia. Nesta casa horripilante;
o sabor de distração compromissada de uma companhia era mais confortável
comparando-se ao fuzuê prepotente dos sentidos livres pelo ambiente. Faltava
ar de família lá, a mulher e o marido haviam perdido o diálogo
e pioravam as brigas, o filho, bem sucedido com as mulheres, passava o tempo
longe do lar.
Gilberto, invariavelmente filho de Gertrudes, caminhou até a TV, sem
direção. Seu íntimo de sentido próprio voltava,
petrificado se tornou.
Porque a garota se encontrava de frente para seu objeto de trabalho por muitos
cultuado, apoiando a cabeça na mão esquerda, esquerda de torta,
na bochecha onde rosados sob a pele seus dedos já estavam tatuados.
- Oi, dá licença, eu vim pra instalação do equipamento.
Você pode desligar sua tevê um pouco?
Menino depressivo e sabedor das coisas, amortecedor do vasto, mais educado que
ele só o foi o Jesus, seu amigo de infância.
A TV ganhava em interesse das palavras de generosidade esperadas por anos em
meio a grunhidos de desânimo. Agora ela deixou de ser especial e o ignorou.
Ele desculpou-se por dizer outra coisa, perguntou se podia desligar.
Nem brilho nos olhos, nem na atmosfera a sua volta, a menina "vidrada"
tinha como resposta. Não sei se ela esperneava: "Não me importa!
Leve isto daqui com você!", com aquele aconchegante oceano castanho
sem ondas.
Descartando a esperteza marota inútil, não menosprezando a inteligência
dele, de Gilberto, nada poderia ser empregado nesses casos de não-reciprocidade
no amor. Os quais não são exceção! Um desinformado
imaginário falou que em matéria de amor verdadeiro, do tipo homem
X mulher, eram, antes do: "Gilberto. Era instalador do tipo que...",
ainda me secando após o banho.
Então, o renascer das cinzas do limite da descarada experiência
teórica:
- Sua mãe me disse que seu nome é Augusta. Hein, Augusta... posso
desligá-la por um minuto? Tua imagem vai melhorar, garanto. Me responda,
vá! Pisque um dos olhos para me mostrar que você permite.
Ainda, Augusta contava com um bom guia, a tevê.