Hoje direi que ele é sempre bruto comigo, amanhã que estou com
uma dor de cabeça pontiaguda, depois resmungarei que minhas costas doem
feito tábuas empilhadas, então estarei estressada como nunca,
virá a TPM ou para ser mais precisa um mau humor de cão que me
empresta um certo charme de deusa-louca-feiticeira; finalmente ficarei menstruada
o que me dará mais alguns dias, direi até, só para irritá-lo,
uns bons 7 dias. As notícias do jornal me deixarão deprimida (por
que não?), a comida cheia de temperos da mãe dele me fará
mal, ficarei sensível porque briguei inutilmente com o cachorro que solta
pêlos em excesso, minha unha preferida quebrará assim do nada,
terei um inexplicável dia daqueles, a lavanderia sei lá o quê,
o supermercado não sei o que lá, e assim por diante, desculpas
para mantê-lo afastado nunca me faltarão.
O fato é que não quero dar, ele não vai me comer, não
vai tirar nem uma lasquinha minha. Não vou dar porque não vai
dar e ponto final! Nem que eu tenha que.... o interfone toca desagradável
interrompendo meus pensamentos tiranos. Visto toda a meiguice do mundo para
recebê-lo.
- Oi meu amor lindo, tudo bem? Ai que saudade...pensava em você agora
mesmo
Ele me dá um amasso forte para que eu possa sentir todas as suas articulações
e inclina-se para me beijar. Entro fundo em seu perfume que adoro, mas sou forte,
ele não vai conseguir chegar lá, aliás ele não vai
conseguir chegar nem perto! Viro levemente a face e pergunto mandona o que ele
trouxe para o jantar.
- Sushi, sashimi, saquê e de sobremesa huramaki de chocolate com sorvete.
E não esqueci disso, olha só que picante!
Ele me mostra entusiasmado o tubo de raiz forte. Ahhhhhhhh, eu fico louca com
raiz forte. Aproximo o nariz e é tão, tão penetrante, que
uma lágrima corre feliz para a minha saboneteira direita. Ele chega com
a língua para buscá-la mas eu sou mais rápida, pego-a com
o dedo e entrego-a sã e salva entre os lábios. Ele acha graça
e supõe que eu quero instigá-lo. Tadinho! Mas não é
que ele acertou bem na mosca! Quem disse que homens não têm intuição?
- Ai que vontade... - digo com sentido dúbio para provocá-lo mas
só penso em comer o atum cortado fininho com muita raiz forte que passo
como manteiga, mergulho no shoyu e nhac-nhac.
- Também estou morrendo de vontade
Se eu disser ninguém acredita, mas este cretino fala a frase acima encostando
a língua na minha orelha, assim de levinho, e sussurrando cada letrinha.
Quanta petulância! Pois pode fazer de novo que não tem trégua!
Pode fazer mil vezes!
Pensando bem, melhor não. Acho mais prudente não arriscar. Vai
que eu me entrego sem querer? Definitivamente nada pode ser pior que isso, nada
pode ser pior do que sucumbir por fraqueza.
Livro minha orelha de qualquer resto de desejo girando o corpo disfarçadamente
e coloco o nosso jantar na mesinha da sala. Sentamos sobre o tapete, eu encostada
no sofá de frente pra ele. A saia de feltro vermelho incendeia minhas
pernas sutilmente abertas para que ele veja, não com facilidade, a calcinha
transparente bordada com singelas florzinhas do campo.
Assim que percebe a abertura (quase que instantaneamente
), mira sagaz
para a calcinha. Enquanto mastigo o peixinho dente a dente ele diz que a comida
está deliciosa, mas veja só, ele ainda não experimentou
nada...e nem vai. Vidrado na calcinha acompanha o movimento da minha boca. Prefiro
não explicar como.
Pego o hashi pingando shoyu e espeto um pouquinho de wassabe na ponta. Passo
a pasta verde pelo lado de dentro do braço esquerdo dele e lambo o traçado
que contorna a tatuagem de luminária parisiense. Assim que chego lá,
ele tenta pôr as mãos em meus cabelos. Levanto a cabeça
jogando os cabelos para trás e pego mais um sashimi. Fingindo bem-estar
ele serve o saquê. Coloca sal no cantinho e oferece a bebida cheio de
intenções segurando o recipiente com as duas mãos grandes,
bastante másculas e decididas. Encosto os lábios no sal e propositalmente
babo um pouco. Ele pensa que é uma espécie de deixa e vem impetuoso
em minha direção escondendo a mão direita na parte interna
da minha coxa, mas eu seco a boca com a palma e coloco o hashi entre seus dedos
atrevidos.
- Será que você já aprendeu a usar direitinho o hashi? Por
que da última vez você não conseguiu segurar nem um inofensivo
peixinho morto!
- Olha só que tonta, fazendo pouco de mim. Eu só vou deixar pra
lá porque você é muito deliciosa.
Abro um pouco mais as pernas agradecendo o elogio e mando um beijo pra ele estalando
os lábios - tão bobinho o meu gatinho
- Aliás hoje
você está especialmente deliciosa e eu estou perdendo a cabeça!
- É mesmo? Quanto? - digo demonstrando interesse zero.
- Muito, muito, muito. Quer ver? - ele indaga aflito.
- Não! Agora eu quero a sobremesa! - peço determinada.
- Tudo o que você quiser
Come que eu como depois.
Ele me dá o huramaki com uma colher, mas eu dispenso. Vou comer com as
mãos porque gosto de ser provocante e também porque o sorvete
está derretendo como eu estou por dentro. Um pingo de chocolate começa
a escapar dos meus dedos para uma frestinha do ventre, mas eu consigo salvá-lo.
Chupo o dedo médio.
- Nãaoooooooooo! - ele grita em desespero - deixa que eu faço
essa delicadeza pra você, deixa eu lamber a sua barriguinha!
Me delicio ainda mais, não com o doce, mas com o semblante de "pidão"
descarado dele.
- Como você é mesquinha! - ele diz quase com dor no coração
Encaro seus olhinhos escuros que refletem uma megera de varinha de condão
e chupo o dedo mais uma vez, mais uma longa e interminável vez. Pisco
vagarosamente, depois olho fixo para ele, pisco de novo e quase perco meu pulso
num sequestro violento.
- Me solta, deixa eu terminar de comer em paz! - reclamo com razão.
- Não, cansei da brincadeira, não tem mais sorvete, você
já comeu bastante, agora quem vai comer sou eu!
Ele arranca o huramaki da minha mão, pula para o outro lado da mesinha
e começa a passar a mão sobre a minha blusa branca, tão
branca e pura que o reflexo quase o transformava num boneco de papel. E o meu
bonequinho cheio de energia quer me beijar à força, quer me ter
toda, mas, como experiente domadora, viro o rosto mandando-o parar.
- Você é que vai parar agora! - ele põe toda a macheza da
voz tentando me inibir. Segura meu rosto com a mão, com a outra puxa
meu corpo para bem perto e me beija fortemente enquanto abre meu sutiã.
Mordo a sua língua dura até sentir o sangue.
- Vaca! Você nunca transa comigo, só fica me provocando! O que
você quer? Quer que eu perca a razão?
- Pááááraaaa!!!! - grito encarnando rapidamente
uma carpideira - eu não quero transar, não vê que você
me machucou toda, você é um monstro, nunca pensei que você
fosse bruto desse jeito! Seu homem das cavernas, você é um animal,
não consegue controlar seus instintos primitivos nem na sagrada hora
do jantar! Ele me olha assustado não reconhecendo os seus atos. No fundo
é um bom menino, eu sei disso, ele relutou muito, se segurou muito antes
de explodir. O problema é que eu não sou uma menina boazinha!
Olho para o chão fingindo medo enquanto ouço a sua defesa.
- Se eu sou isso tudo que você disse você é uma super vaca!
Se veste desse jeito, abre as pernas pra mim, me provoca o tempo inteiro e quer
que eu faça o quê? Fique olhando pro teto? Eu não sou um
homem de ferro, ENTENDEU?
Vejo que é chegada a hora da despedida, não vou ficar aturando
um marmanjo deste tamanho tendo chilique do meu lado.
- Não, não entendi nada! Só sei que você é
um tosco cabeludo insuportável, SAI DAQUI AGORA!
Choro sentada no sofá. Ele está puto e sei que olha pra mim pesando
os prós e contras da sua atitude. Deve estar pensando que eu estou de
TPM, em como sou sensível, que ele não soube sentir o meu momento
e blá blá blá, coisas de mulher que o homem contemporâneo
é obrigado a entender se não quiser ficar deslocado. Respira fundo,
senta na poltrona, pega carinhoso minhas mãos e pede desculpas.
- Não fica assim, você tem razão, eu sou um bruto. Como
pude ser tão violento? É que você me deixa louco, olha só
pra você com esta saínha, com este jeitinho, com esta blusinha.
Me perdoa? Por favor
Com dissimulada timidez balanço a cabeça afirmativamente.
Ahhhhh, estou tão feliz por dentro! Mais uma batalha vencida! Ele não
conseguiu nada de mim! Não teve nem um gostinho! Ninguém tira
nada de mim!
Faço cara de santa e me despeço.
- Tudo bem, pode ir embora. Eu vou ficar bem (você nem imagina como...)
Esmago um beijo em seu rosto bem barbeado e fecho a porta antes do elevador
chegar. Vai que ele muda de ideia e resolve ficar comigo mais um tempinho
até eu me acalmar? Pego o hashi, o wassabe e vou correndo para o meu
refúgio secreto que só eu conheço, só só
só meu. Hoje vou ter uma noite e tanto!