(A Jacques Bergier)
Foi assim que perdi a aposta mais louca que se poderia imaginar.
Numa taberna eu, o cientista Delmar e um amigo seu, Bertoldo, bebíamos
à saúde do primeiro filho de Bertoldo. Gole atrás outro
o assunto foi fundo na filosofia e conceitos científicos avançados.
Discos voadores, Triângulo das Bermudas, monstros lacustres, antropóides
misteriosos, fantasmas. Mal discutíamos o efeito Hutchinson quando discutimos
religião. Bertoldo era o ateu típico, bem ao estilo comunista.
Pra ele o conceito de Deus era a maior estupidez da humanidade, só concebível
a mentes pueris.
- Só mesmo um ser tão estúpido e sentimentalóide
como ser humano pra acreditar em coisa tão estapafúrdia. Crer
em coisas tão estapafúrdias em tempo antigo, onde não se
sabia que o Sol é uma estrela, imperando a total ignorância, ou
no campo, sem livros nem meio de comunicação. Mas pessoas instruídas,
universitárias, cheias de informação, com internete, televisão,
celular, crer em coisas tão estapafúrdias e pueris não
cabe em minha cabeça!
- Ora, ora... - Interrompeu, serenamente, Delmar - Será Deus uma fantasia,
simplesmente? Não foi dito que o universo é mais estranho do que
podemos imaginar?
- Por misericórdia!, Delmar. Não digas que és um daqueles
cientistas bobocas que perscrutam as galáxias tentando desvendar a mente
de Deus!
- Pensemos bem: Já não foi dito que o universo não é
um grande mecanismo e sim um grande pensamento? Que sua estrutura não
é mecânica e sim psíquica? Lembremos que a quantidade de
estrela na galáxia é muito maior que a quantidade de neurônio
no cérebro humano.
- Não! Não! Religião é apenas manipulação
da massa.
- Se entendi bem, - interrompi - esse deus da religião, como o vampiro,
o fantasma, a bruxa, não é que não exista mas é,
apenas, um estereótipo?
- Sim! Esse deus deturpado pode existir, de fato, mas não é um
velhinho de barba branca...
- É alguma outra coisa!
Então os olhos de Delmar brilharam. Levantou o copo meio-cheio de vinho
branco, olhando através dele como uma lente.
- Amigos. Não estou louco nem bêbado mas afirmo solenemente: Eu,
Delmar Durães Mercante, posso me converter em Deus!
Blasfêmia das blasfêmias!, pensará o leitor. Confirmamos,
solenemente, nossa aposta, certos da vitória. Com certeza absoluta de
que Delmar, após a ressaca no dia seguinte, ficaria arrependido e muito
envergonhado, chegando a fingir não se lembrar ter feito a imprudente
aposta.
Pra nosso espanto ficou ainda mais arrogante em sua posição. Mantinha
e confirmava a aposta. Seu semblante irradiava uma autoconfiança a toda
prova. Senti um calafrio, um mórbido pressentimento de que ele tinha
uma carta na manga.
O grande laboratório de física de alta energia no qual Delmar
trabalhava tinha, certamente, algo a ver com o que afirmava. Bertoldo dizia
em tom de mofa:
- Oras bolas! Na certa nos apresentará alguma descoberta na física
de micropartícula e tentará nos convencer armado dalguma teoria
parapsicológica. Tipo aqueles religiosos que veem em qualquer evento
fora do comum a prova da existência de Deus.
Após passarmos por todas as precauções de segurança
que se possa imaginar fomos recebidos por Delmar. As galerias imensas lembravam
as do seriado O túnel do tempo ou o filme Planeta proibido.
Mas em tudo predominava o espaço vazio. Não havia tanta parafernália
de máquina como eu imaginava.
Delmar nos contou como nasceu a ideia do projeto Teocósmico.
Um psiquiatra amigo meu me contou o caso do beato Magu. Era um religioso ultrafanático
obsedado na ideia de se encontrar com Deus, pessoalmente, mas vivo, e
voltar. Se empenhou, então, em entrar em êxtase pra sua alma vagar
ao Céu a encontro de Deus. Foi a uma caverna de difícil acesso
pra executar seu plano.
Então, bem a estilo de Buda, sua alma cresceu, cresceu de modo a abarcar
todo o universo, que ficou, em relação a ela, tão pequeno
quanto um átomo dentro do nosso. Assim entrou num universo maior, onde
o nosso é menor que a menor das partículas e mais efêmero
que um piscar de olhos.
Seu desejo intenso de se encontrar com Deus o pôs diante dum homem comum,
um cientista que criou, numa garrafa magnética, um microuniverso em
condição ideal, onde o tempo fugaz foi congelado, constituindo
um fantástico campo de experimento científico.
Perscrutou intimamente a alma desse ser e viu um homem sovina, que batia na
mulher, que jogava sujo pra vencer a concorrência com seus colegas e que
não se importava com a dor nas criaturas que lhe serviam de cobaia. Um
homem cruel, pusilânime. Enfim, apenas um homem.
Foi com o minucioso relato desse beato que desenvolvemos nossa teoria do cientista-deus.
Assim é que, em cada momento histórico, um emissário é
enviado, disfarçado, pra atuar em determinado lugar. Um intermundo induzido
é um campo pra testar todas as opções possíveis
de destino do mundo. Verdadeiro computador pra testar todas as combinações
de eventos históricos. É esse o sentido de O que está
encima é como o que está embaixo. Assim, manipulando cada
pequena variação de destino, usando a teoria da consequência,
podemos agir com precisão e dominar o mundo.
Delmar nos olhou altaneiro, caminhando de lado e dando volta como um autêntico
cientista-louco dos filmes de horror.
- Foi assim. Graças ao místico beato, que foi, sem querer, um
espião industrial, desenvolvemos um projeto igual. Do extermundo trouxemos
o segredo pra criar nosso intermundo. Naquela redoma magnética: Ali posso
acender e apagar as estrelas, criar e destruir mundos. Eis nosso primeiro microuniverso
em relação ao qual sou Deus!
Arrepiamos. Sabemos muito bem o destino de beato Magu. Foi internado como louco,
longe de qualquer polêmica e no mais profundo segredo. Então era
verdade o rumor dos pesquisadores marginais: Magu foi internado porque sabia
demais!
Percebemos que não sairíamos impunemente dali.
- E o que farás conosco? Pirata que ajudou a enterrar o tesouro, tanto
quanto operário que trabalhou na ereção da pirâmide:
Queima de arquivo! Não somos tão ingênuos a ponto de crer
que nos deixarás livres após conhecer tão alto segredo.
- Calma, meus amigos. Não vos lembrai de nossos debates, na taberna,
sobre viagem no tempo? Que nada mais é que um deslocamento lateral a
uma das miríades de universos com realidade com pequena variação
com relação ao nosso? Façamos como Leonardo da Vinci.
- O que tem Leonardo?
- Alguém como nós, com boa cultura geral e algumas especialidades,
somos apenas cientistas em nosso mundo. Não seria mais interessante irmos
a uma época onde nosso conhecimento seria tido como assombroso? Não
seríamos tratados como deuses? Basta escolher uma época e lugar
com uma boa média: Não tão evoluído onde somos apenas
mais um, nem tão intolerante onde seríamos queimados como bruxos.
Foi o que fez Leonardo. E vós: O que quereis? Viver como senhores de
escravo? Ser rei numa ilha polinésia no século 14? Ser um papa
medieval? Um sultão num harém? Inventar a roda e o fogo entre
trogloditas? Basta escolher. Ou que se faça Minha vontade!...