Espalhados sobre a cama, os retratos de minha avó paterna. A melhor
lembrança, porém, está guardada no fundo da retina.
Uma mulher pequena, de sólida aparência, face austera, sorriso
difícil, no entanto, toda fragilidade. No seu coque de cabelos ralos
encobria uma calvície difícil de se ver nas figuras femininas.
Minha avó foi personagem bem real na minha infância. Havia os avós
maternos, mas bem pouco tenho a contar sobre eles., moravam longe e nos víamos
pouco. O meu carinho maior era dela: a avó paterna. Teve vida sofrida,
mas nunca reclamava de nada. Um marido rude, italiano, que morreu cedo, quando
meu pai tinha dois anos de idade, de quem ela dizia ter muita saudade.
Quando vejo uma velhinha, cheirozinha, penteada, arrumadinha, lembro-me dela,
de seus ensinamentos. Foi a primeira pessoa a pegar sobre a minha mão
e conduzi-la aos primeiros rabiscos, as primeiras bolinhas, a empunhar o lápis.
Foi a primeira professora.
Minha avó apresentou-me um deus repressor, implacável, que castigava.
Eu morria de medo. Quando fazia algo errado, tinha que ser sob o telhado, para
que ele não me espiasse das nuvens. Ela condenava com pimenta as bocas
que blasfemavam e todos tinham horror de contemplar aquele vidrinho, na prateleira
da cozinha, com os tenebrosos frutinhos vermelhos.
Quantas vezes vi ternura boiando nos lagos esverdeados dos olhos de minha avó!
Quando anoitecia, sentávamos ao redor de sua cadeira de balanço,
para escutar suas histórias, recém - nascidas da imaginação,
quase sempre, encerrando uma lição de vida, onde o bom era premiado
e o mau, castigado. Ela era sábia. Seus métodos antididáticos,
certamente seriam condenados, hoje. Eles deixaram marcas em mim, sim: Marcas
de saudade daquela mulher franzina e forte, com um coração que
amava muito, a seu modo. Um coração frágil, que deixou
de bater quando eu tinha dezessete anos.