O relógio parecia andar para trás. Sandrinha cochilava na sala.
Estava tonta de sono e tinha que acordar às cinco para ir trabalhar. A
mulher do rádio disse que aquela simpatia era infalível. Encontraria
um namorado, um marido, ou amante. Tinha trinta anos, não aguentava
mais dividir o quarto com as cinco irmãs, ter o guarda-roupa invadido frequentemente
e depois encontrar calcinhas e blusas sujas, emboladas nas gavetas.
Era dia dos namorados. Quantas amigas saíram da fábrica abraçadinhas
com os namorados. Só ela, ali, sozinha. Há dois anos não
beijava ninguém, quer dizer...beijou o Flavinho no baile da vila e também
o Jailso na festa da igreja. O Jorge, não valeu. Foi beijo à força.
Até cuspiu depois.
Comprou uma faca novinha. À meia-noite, iria cravá-la na bananeira.
Quem ensinou a simpatia garantiu que a nódoa da árvore formaria
um desenho na lâmina, que deveria ser decifrado, pois daria indícios
do seu prometido.
Por fim, meia-noite. Pé ante pé, ela atravessou o quintal às
escuras. Tropeçou num alçapão e quase caiu. Continuou meio
amedrontada. A bananeira ficava na fronteira do quintal do vizinho, separado por
uma minúscula cerca , que não servia de obstáculo a ninguém,
somente estabelecia limites. O mato estava alto, há muito tempo aquele
terreno não recebia uma boa limpeza. "Devia ter trazido uma lanterna...se
tiver cobra? Me ajuda Santo Antonio! Que medo!"
Aproximou-se da bananeira e com toda a sua força, desfechou-lhe a facada.
Era capaz de jurar que a coitada gemeu. Correu para casa e por pouco, não
leva uma paulada na cabeça. O pai ouviu barulho no quintal e correu para
pegar o gatuno. Difícil foi explicar o que fazia ali, àquela hora.
A luz do vizinho estava acesa e outra lâmpada se acendeu na cabeça
do pai. Aquele homem morava só, era viúvo e não tinha filhos.Seria
capaz de jurar que Sandrinha veio de lá.Ela insistiu que foi buscar boldo
para um chá, mas não convenceu.Contar a verdade? Nunca! Debochariam
dela pelo resto da vida. Na mesma hora, o pai foi tirar explicações
com o vizinho, que veio atendê-lo só de cueca.Evidentemente, foi
chamado de maluco e colocado para correr.
Pela manhã, ao sair para o trabalho, Sandrinha correu para retirar a faca.
Olhou a lâmina manchada, virou-a para todos os lados...nada! Um olhar mais
minucioso distinguiu uma faca, com o cabo mais escuro. Que estranho! Assustou-se
com umas voz às suas costas. Era seu Turíbio, o vizinho. Ele a olhava
indagador:
"Qui ocê qué, minina?Teu pai é doidio mai teim razão,
num sábi? Teim mermu qui ti cuidá, tu é beim bunitinha! Mai
num quéru nada cum moça vrige!"
Sandrinha foi saindo, envergonhada; " Que papelão!Morria mas não
contava a verdade! Ah, Santo Antonio! Que decepção!"
Alguns meses depois: Seu Turíbio passou a prestar atenção
e se encantar com o andar rebolativo de Sandrinha e até a chamava de "minha
frô di manacá".
Ela, por sua vez, passou a achá-lo irresistível, parecia o personagem
do Antonio Fagundes em O Rei do Gado.
Dia de Santo Antonio, ano seguinte. Dona Turíbia, ou melhor, dona Sandra,
grávida de três meses. A casa do viúvo pintada de cores alegres,
cortinas novas, frente ajardinada. A profissão do Turíbio? Puxa!
Quase esqueço de contar! Ele, até hoje, mata galinhas no aviário
da esquina.