Plena noite de natal. A mulher de Terêncio o surpreende com um sensual
vestido vermelho.Isso o deixa eufórico. De madrugada, na cama, percebe
que não era ela, era o vestido que o excitava.Enquanto fuma, observa
o vestido jogado sobre a cadeira.
Desde então, uma vez ou outra, abre o guarda-roupa dela...só para
admirar o vestido.
Chega o carnaval. Sargento das Forças Armadas, Terêncio estaria
de serviço no domingo. A família viaja para a região dos
lagos e ele os encontraria na segunda-feira.
Na noite de sexta-feira, já sozinho,Terêncio pega-se a admirar
o vestido vermelho. Sábado pela manhã, ouve no rádio que
o Bloco das Piranhas sairia de Madureira às quinze horas daquele dia.
Nesse bloco saem jogadores de futebol e até artistas, todos vestidos
de mulher. Uma luzinha acende na caixa de ideias do sargento. Não
tem nada para fazer a não ser dormir e ver tv.
Às treze horas, num impulso incontido, veste o sensual vestido. O lastex
da cintura se alarga. Ele perde a graça, pois não cobria os contornos
sensuais de Marisa, sua mulher. Terêncio vai acrescentando acessórios:
sutiã com enchimento, brincos, colares, pulseiras, um tamanco bem alto,
dourado,que deixa os calcanhares de fora, bolsinha da mesma cor.
Os cabelos cortados à moda militar não oferecem possibilidades.
Passa um mousse molhado e penteia-os para a frente, como franja, arremata com
um diadema dourado. Sorri vendo-se no espelho...parece uma cópia mal
feita de Carmem Miranda...mas falta alguma coisa...hum...claro! A maquiagem!
Esmera-se no batom vermelho, no blush nas bochechas e na sombra azul-turquesa.
Agora sim...uma verdadeira piranha! Só faltava rodar a bolsinha nas esquinas
da Lapa.
Chama um táxi por telefone. Entra no carro depressa para não
ser visto pelos vizinhos."Madureira, moço! Estrada da Portela".
Uma hora de carro, nenhuma chance de ser visto ou reconhecido..
Terêncio salta em plena muvuca, onde o trânsito está sendo
desviado. Entra num buteco, toma uma cachacinha...sente-se inibido. Quer destravar,
cair na folia. Como os outros, acaba soltando a franga, desmunheca, imita os
trejeitos femininos exageradamente, faz gestos sensuais. As pessoas se apertam
ao longo das calçadas para assistir a passagem do bloco.
Umas mocinhas de minúsculos shortinhos mexem com ele. Terêncio
se achega.Perguntam seu nome. Novos trejeitos e a resposta: "Lolita...LO-LI
TAAAA!" Acerta um beijo na face do namorado de uma delas, deixando a marca
do batom e sai rebolando.
Exausto, depois de desfilar por todo o bairro carioca, sujo, suado, com os
tamancos nas mãos, Terêncio pega um táxi de volta. Está
no bagaço, deu o seu tudo na brincadeira.
O corpo dói, o pé está cheio de bolhas: "Que heroínas
são as mulheres...não caem dos saltos".
E o vestido? Precisa voltar para o cabide impecável. Lava-o no banho
mesmo e coloca-o na secadora. Ainda bem que não precisa passar.
Manhã de domingo. Sargento Terêncio rigorosamente fardado, barba
feita, cabelinho rente...reúne a tropa, distribui tarefas. Prepara-se
para cumprimentar o antipático capitão Lobato, o oficial de dia.
Pede licença, entra no gabinete, bate continência e nem percebe
um sorrisinho sarcástico do oficial:
"Bom-dia, capitão!" "Bom-dia, Lolita!"