A Garganta da Serpente
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Os Pareôs de 67

(Maria José Zanini Tauil)

Bronzear o corpo na piscina do clube era meta, mal o ano começava. Primeiros preparativos para o carnaval. Éramos dez. Escolhíamos a fantasia, mas cada uma tinha sua cor, que permanecia para os outros anos. Foi assim que fiquei conhecida como a garota azul .(rsrs).As outras cores: amarelo, coral, verde, vermelho, rosa pink, lilás, vinho,branco e preto.

Naquele ano se falava muito em tropicália, Caetano e Gil. A palavra da moda era psicodélico.Escolhemos pareô liso, enfeitado nos contornos com margaridas. O bustiê era todo coberto delas. O rosto, minuciosamente pintado com guache, na cor da fantasia, de flores, folhas e ramos. Ficava bonito até suar na folia. Depois disso, tinha que tirar tudo.

Eu desenhava os modelitos e lhes dava vida. Tantas margaridas, compradas prontas,
ficariam caríssimas. Tive uma ideia que deu certo. Compramos espuma fina a metro, cortávamos com molde de margaridas, depois, pintávamos com tinta esmalte branca, depois de secas, pintávamos o miolo de amarelo. Elas ficavam encorpadas, mais duras e de cor branca leitosa. Ninguém adivinharia que eram de espuma...modéstia a parte, ficaram lindas. Trabalhávamos à tarde, o barracão pré carnavalesco era a minha casa. Eram 140 unidades para cada fantasia, portanto, 1400 margaridas, no total.

Frequentávamos os bailes do clube local, meu pai era um dos diretores.Antes, passeávamos pelas ruas, nas imediações do coreto. Naquele domingo, fantasia novinha, resolvemos ir para Nilópolis, reduto da Beija-Flor. De ônibus, fica a dez minutos do nosso bairro. O coreto de lá era na praça e muito animado.

Demos uma volta e percebemos que uma das meninas do grupo chorava copiosamente. Nos assustamos, pensamos que alguém tinha passado a mão...e quanto mais perguntávamos mais ela chorava. Emudeceu. Voltamos para o nosso bairro. Todas foram para casa dar uns retoques no visual, para irmos para o clube. A amiga, nessa altura, estava com o rosto inchado de tanto chorar. Nosso grupo ficou desfalcado de uma das cores. Ela não foi conosco. A interrogação estava em cada uma de nós e a noite não foi o que esperávamos. Ficamos chateadas.

No dia seguinte, mais calma, ela me contou. Sua mãe viajara para a casa da irmã, na Bahia, o pai ficou, pois não gostava de sair. Ela...a mãe...estava se esbaldando, no coreto de Nilópolis, junto com um homem.

O carnaval passou. A mãe da minha amiga chegou "da viagem"cheia de notícias dos parentes baianos. Ela se calou. Jamais contou o que havia visto.

  • Publicado em: 06/03/2005
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