A Garganta da Serpente
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Laços eternos

(Maria José Zanini Tauil)

O irmão estava com câncer terminal. Foram dois anos de luta intensa. Ele foi um guerreiro, jamais entregou os pontos ou pediu a Deus que o levasse. Até o fim, acreditou no milagre. Algumas horas antes de morrer, porém, desfigurado pelo sofrimento, cantou um louvor a Deus, pediu perdão dos pecados, salvação para a sua alma e, já num murmúrio: "Pai, paizinho, me leva para juntinho de ti."

A dor é sempre mais intensa pela madrugada. As noites traiçoeiras eram longas...intermináveis. Por quatro meses, Maria enfrentava aquela triste rotina. Ele lhe telefonava, dizia que estava com muita dor, oravam juntos. Ela pedia a Deus por aquela noite. Que a dor desse trégua, que o sono o reabastecesse de força para continuar na luta.

Ela ficava no computador até às duas da madrugada. Depois, deitava, conversava com Deus. Se o sono faltasse, o bate-papo era longo. Quantas vezes acordou sobressaltada! Era sempre a cunhada, ao telefone: "O Airton está passando muito mal". Maria e o marido corriam para lá. Ele se recusava a ir para o hospital. Não adiantaria. Companhia era um lenitivo para tanto sofrimento. Um massageava as costas, outro, o abdome, outro preparava um saco de água quente...ele acabava dormindo. A mulher era o retrato vivo do estresse e da exaustão.

Na noite da morte não foi diferente. O telefone, o sobressalto, o socorro. Desta vez, também a ambulância, contrariando a sua vontade. Vinte minutos depois de chegar ao hospital, despediu-se de vez dessa vida.

Dois meses se passaram. A saudade e a tristeza estavam bem presentes, mas também o conforto e o alívio de saber que ele não sofria mais. Maria queria sonhar com ele. Não sonhara ainda, até que um fato se tornou corriqueiro. Pelo menos uma vez na semana, passou a ser acordada pelo telefone. Corre para atender, só toca uma vez, nenhum número registrado no bina. O marido garante não ouvir nada.

Lembra do irmão, volta para a cama e lhe dedica uma oração. Uma imensa paz, como nuvem densa, se apossa de sua alma, uma euforia, espécie de alegria. Adormece e sonha com Airton. Ele lhe sorri, veste branco e vem acompanhado de um anjinho peralta que toca um sininho para acordá-la. De manhã, o marido a observa dormindo. Depois, comenta:"Você sorri quando dorme...engraçado... eu nunca percebi isso!"

(11/07/2007)

  • Publicado em: 03/08/2007
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