Claro que não assisti. Nem era nascida! Mas li muita coisa a respeito.
O Brasil era grande favorito na grande final. A taça Jules Rimet seria
entregue pelo próprio.
Os jornais se preparavam com antecipação, deixavam prontas as
primeiras páginas, e meio milhão de camisas foram vendidas em
comemoração à vitória.
Os ambulantes se aglomeravam nas proximidades do Maraca com flâmulas,
bandeiras e toda a sorte de lembranças dos campeões do mundo.
Teobaldo, lá de Rondônia, vendeu o relógio de ouro, relíquia
familiar. Por nada, perderia aquela vitória.Outra oportunidade, só
dali a cem anos e a vida é breve. Comprou passagem e veio para o Rio
de Janeiro.
Raimundo, lá de Recife, vendeu as férias para o patrão,
pagamento adiantado. Instalou-se num sórdido hotel, na Central do Brasil.
Era dever patriótico viver aquela experiência para contá-la
aos netos.
Antonio, padeiro português de Lisboa, escreveu à irmã, que
vivia no Brasil. Alegou uma doença grave. Queria ver os sobrinhos antes
de morrer. Pedia ajuda na passagem. Na verdade, queria mesmo era ver a Jules
Rimet de perto, a brilhar nas mãos do capitão brasileiro.
A grande final: Brasil e Uruguai. Friaça fez o nosso primeiro gol. Duzentos
mil gritos sacudiram o monumental Maracanã. Um maldito uruguaio cravou
o empate e um tiro cruzado de Ghigglia, deu ao Uruguai o campeonato. Silêncio
fúnebre no estádio.Ari Barroso transmitia a partida para o país.
Ali mesmo, decidiu abandonar para sempre aquele ofício.
Jules Rimet perambulou pelo campo abraçado ao troféu, que levava
o seu nome. Entregou-o ao capitão uruguaio quase às escondidas.
No bolso, ficou esquecido o discurso, que escreverapara aquele evento.
Antonio, que fingia doença, não voltou a Portugal. Teve um enfarte
fulminante. Raimundo tomou um porre com as prostitutas da Central e perdeu a
hora do ônibus de volta. Teobaldo, sem o relógio de estimação
do bisavô, dorme em todos os jogos da copa. Seus filhos e netos nunca
souberam o porquê.