A Garganta da Serpente
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Amor e desamor

(Maria José Zanini Tauil)

Era apenas um menino de dezenove anos. Um coração ansioso por amar e ser amado. Trabalhava desde os quatorze para ajudar a mãe viúva, mas a cara limpa não lhe conferia um jeito de homem feito. Era o ano de mil novecentos e vinte e quatro e o mal do século o escolheu, como a muitos outros jovens da sua idade. A tuberculose invadiu logo os dois pulmões.Foi para Juiz de Fora por causa do clima mais ameno, propício ao tratamento . Nas cartas à mãe, dizia que se sentia muito enfraquecido e que queria voltar para casa, pois sabia que estava no fim. Era tímido, o olhar baixo, que dizia muito, as mãos em desajeito, mãos sem pertences, sem futuro feliz.

Um ruído seco de mala de couro, a mãe na janela, a corrida para um abraço no filho doente, trazido pelo tio. Estava mais franzino, mais pálido, aspecto de menino solitário e sofrido, pela tosse persistente, pelo escarro sanguinolento. Abraçou-o, apertou-o junto ao peito, mesmo diante do alerta dos outros filhos sobre o perigo de contágio. Aquela mulher não acreditava que a doença pegasse desse modo, pois cuidou do marido, também tísico, até o fim, sem separar nada. Naquele tempo, só se divulgava que o vírus era pego no ar. Louças e roupas eram lavadas juntas.

A enfermidade e a iminência da morte pareciam revestir aquele menino assustado de coragem. Um olhar sem pressa, profundo, como se quisesse perceber um território antigo e de preciosas esperanças. Um olhar demorado sobre cada um dos irmãos, como se quisesse recolher do tempo passado as manhãs amanhecidas na distância, os filhos que jamais fecundaria, a mulher que jamais amaria. Sua alegria já estava sepultada naquele sorriso tímido e na lágrima que corria silenciosa.

Na necessidade de repouso e a proibição de sair de casa; ficava numa cama encostada à janela. O zelo e o carinho da mãe eram medidos pelos caldos, suco de saião triturado, o mel puríssimo comprado a preço módico. Certa feita, quando a mãe lhe estendia um copo de leite, olhou-a com ternura e disse que, pelo simples fato de estar em casa, morreria feliz. E assim foi.

Quando a primavera cedeu lugar aos calores do verão, despediu-se de forma definitiva. Pediu que ela segurasse a sua mão. Perguntou-lhe, então: "Quer que eu dê algum recado para Deus?" Ela olhou-a com desespero e respondeu: - "Diga que Ele é injusto Ele não me ama!" Sorrindo, ele completou: - "Não, mãezinha, ele não é injusto e a morte não é um ato de desamor do Pai!. Ele permitiu-me tê-la como mãe e ter tempo de aqui chegar para passar os últimos momentos ao seu lado."

Foi perdendo o sorriso, apertou a mão da mãe e morreu.

  • Publicado em: 16/03/2010
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