Apenas as joias haviam conseguido resistir ao abalo econômico familiar.
Após a morte do sogro, a lucrativa empresa passou a sucumbir rapidamente,
até a sua derrocada fatal. E o genro, que a administrava desde o velório,
sentia-se derrotado. Falir logo nas mãos dele, sujeito dotado de tantos
planos e pós-graduações!...
Marta era a única herdeira do rico português, formação
escolar quase nula, cuja indústria havia prosperado notavelmente. O marido,
por sua vez, lecionava numa universidade e possuía um enorme brilhantismo
conceitual. Contestava a administração obsoleta do Sr. Manoel,
que rejeitava os recursos de vanguarda para gerir a sua firma. Teria vivido
os últimos anos a criticar o "velho"...
Sem disfarçar o seu desprezo, o "portuga" nunca fez por beneficiar
o marido da filha. Afirmava que deveria alcançar tudo com o seu próprio
esforço, como ele o havia feito. No entanto, a demanda consumista da
moça era sistematicamente alimentada. Roupas, perfumes, artigos supérfluos...Nada
lhe era negado! Jamais admitiu o genro, porém, como funcionário
da empresa e tampouco se dispôs a ajudá-lo financeiramente quando
por ocasião de um convite para uma sociedade comercial. Segundo o professor,
a conquista do Sr. Manoel devia-se a outros tempos. Hoje haveria de precisar
de uma estrutura do tamanho de sua ignorância!...
Marta mostrou-se bastante abalada com a morte do pai e absteve-se de tomar
a frente dos negócios, tal a prostração que lhe atingiu.
Julgou também não haver ninguém melhor que Hamilton para
administrar-lhe a herança, ele que tão bem entendia de administração
e finanças. Mudaram-se para a casa paterna e os antigos pertences do
falecido ficaram restritos ao quarto em que antes dormia, ela sem ânimo
de remanejá-los para outras pessoas ou instituição. Nem
mesmo o cofre havia sido aberto, ali contidos dólares e valiosíssimas
joias com que o Sr. Manoel havia presenteado a esposa enquanto viva.
Visivelmente transtornado pela falência, um implacável misto de
raiva e frustração perseguia o genro. Profissionais gabaritados
o haviam auxiliado na diretoria, e ainda assim, tudo havia naufragado. O desgraçado
do galego o havia sobrepujado!...Ainda mais desarvorado, adentrou-se pelo quarto
do morto e, freneticamente, passou a atirar-lhe as roupas, aos montes, pela
janela debruçada sobre a rua. "- Pra que tanta roupa, seu velho
imundo?"- gritou. Desceu as escadas correndo e, já no portão,
deliciou-se ao observar a disputa, travada por mendigos, pelo material descartado.
Naquela noite, finalmente, conseguiu dormir melhor...
Pela manhã, expôs para a mulher a gravidade da situação
financeira. Desesperada, Marta resolveu permitir a venda das joias para
apaziguar alguns credores."- Não, não havia outra saída!...".
Dirigiram-se ao imenso cofre para retirá-las e, este aberto, nada encontraram.
"- O que havia sido feito delas, Meu Deus?". Telefonaram imediatamente
para a ex-governanta, empregada de confiança do Sr. Manoel. A mulher
disparou: "- Ora!... O seu pai guardava os dólares e as joias
no meio daquela montoeira de terno antigo do armário. Achava mais seguro..."
Hamilton ficou em estado cataléptico e dizem que, desde então,
nunca mais foi o mesmo. O rudimentarismo do Sr. Manoel havia resvalado com toda
a sua onipotente sabedoria acadêmica...