Esperou a mãe ir dormir, esperou que as horas fossem passando e assim
fizesse que o sono da mulher ficasse mais pesado. Na pequena casa só
viviam ele e a mãe, não tinha irmãos e o pai havia morrido
há alguns anos.
Sentado no sofá da sala, a TV ligada, podia ver a porta do quarto da
mãe a sua frente, olhou o relógio: meia-noite e meia, podia ir.
Pegou o martelo que escondera em cima da estante da sala e foi com passos lentos
até a porta do quarto. Os lábios secos, a respiração
forte. A hora seria aquela, não podia esperar mais, não aguentava
mais viver ao lado dela, sua voz, suas implicâncias eram torturantes,
infernais. Matá-la seria como quebrar uma vitrola velha que range, range,
range, range.....
A mulher deitada, as mãos no peito, parecia que adivinhara seu destino
e se deixara ficar numa fotografia "pré-mortis". Precisava
ser rápido, silencioso. Levantou o martelo e desferiu dois golpes certeiros
precisos na cabeça da mãe. Não houve grito, nada, apenas
o sangue se espalhando no lençol. A fraca luz vinda pela janela do quarto
deixava à mostra um corpo inerte, a cabeça desfarelada. Não
sentiu nada, nenhum remorso, numa vontade de chorar ou vomitar, como se matar
para ele fosse comum. Saiu do quarto assobiando e deixou-se cair no sofá,
fixou os olhos na TV como se nada tivesse acontecido. Largando o martelo de
lado sentiu um sono tranquilo, suave, invadindo seu corpo, logo adormeceu.
Sonhou com paisagens lindas, manhãs de sol, vento, terremoto....a terra
toda tremia, o sacudia, uns solavancos que o jogava longe. Acordou com a mãe
o sacudindo a mesma voz irritante, a vitrola rangendo, rangendo....mas como?
Ele a matara no dia anterior, tinha certeza, o martelo, os golpes na cabeça
e agora....
Sentou-se ligeiro e tentou fixar os olhos ainda sonolentos na imagem a sua frente:
a mãe, gorda, imensa, a boca pequena, os cabelos brancos e a voz, aquela
voz.....
- Levanta daí seu preguiçoso, levanta que está na hora
de ir trabalhar, seu vagabundo.
Ele olhou rapidamente em direção ao martelo que deixara cair ao
lado do sofá na noite anterior e ele estava ali. Pegou-o ante a cara
cínica da mãe. Não havia uma gota de sangue, estava limpo:
o cabo, o martelo, todo limpo. Quis falar algo mas não pode, levantou-se
de um salto e foi ao quarto da mãe, a cama arrumada, os lençóis
limpos, como se nada houvesse acontecido, como se nada houvesse manchado a alvura
daqueles lençóis. Virou-se para a mãe. Meu Deus, havia
sonhado, dormira no sofá com o plano na cabeça e só o havia
executado em sonho. A mãe, a maldita velha ainda estava viva. Olhou-a
com ódio, teve ímpetos de pular em seu pescoço e esganá-la
mas conteve-se, era dia e os vizinhos poderiam ouvir. Deixou-se ficar ali, mudo,
olhando-a enquanto ela falava, falava, falava.....
Vida medíocre a dele, quarenta e dois anos e nada havia conseguido na
vida, um emprego de frentista em um posto de gasolina, mulheres só as
tinha se pagasse, era feio, magro, as orelhas grandes, culpava a mãe
pôr ter nascido com aquela aparência, culpava a Deus, a genética.
Viver com aquela mulher sempre fora insuportável, com o pai vivo ainda
podia aguentar, ele era bom, amigo mas ela....sempre a odiara, desde que
aprendera a concepção desta palavra em criança a odiara,
havia então finalmente, decidido matá-la, livrar a ele e ao mundo
daquela mulher grotesca, louca, chata. Mas o que dera errado? Pôr que
dormira naquela hora tão importante? Era a sua liberdade, sua vitória,
sua vida, mesmo que fosse descoberto, condenado e preso seria melhor do que
conviver com aquela maldita vitrola em seus ouvidos, rangendo, rangendo.....
Comendo a marmita fria analisava os fatos: havia esperado pacientemente que
a velha dormisse e quando ela dormia seu sono era pesado como uma pedra. Estava
com o martelo escondido, pronto para vir a suas mãos e só ficara
pôr algumas horas vendo TV. Quando entrou no quarto da velha e desferiu
os golpes foi como se sentisse até o cheiro de sangue, parecia tão
real..... mas era um sonho, havia dormido no sofá e sonhado, merda, merda
! Jogou a marmita para o lado com ira. Precisava se livrar da velha, dar um
presente ao mundo tirando a carcaça daquela mulher da face da terra,
que se dane-se que fosse sua mãe, ela era um verme. Nem do seu salário
tinha direito pôr completo, a velha lhe tomava metade lhe deixando uma
miséria para sair, se divertir, enfim, viver.
Chegou em casa as onze da noite, desta vez não haveria falhas. Primeiro
daria a mãe um sonífero misturado no café, depois ficaria
só esperando o efeito, o sono da velha iria ficar o triplo de pesado,
difícil de acordar.
Solícito serviu o cafezinho para a mãe depois de misturar o sonífero
desfeito em pó. Em meia-hora a velha roncava no sofá da sala.
Pegou o martelo e foi cruel: uma, duas, três, quatro, cinco marteladas
desferidas com ira. A massa sangrenta, a cabeça da velha disforme. Sorriu,
gargalhou, diante da velha morta. Dançou como um índio diante
de seu oponente vencido, havia sido vitorioso, havia vencido. O corpo da mãe
jogado no sofá, estava feito.
Foi até a geladeira e pegou uma cerveja que bebeu sentado, em frente
ao corpo.
Não havia sequer pensado em um plano para escapar do assassinato. De
manhã ligaria para a polícia e diria calmamente: "Alo? É
da polícia ? Eu acabei de matar minha mãe à marretadas,
à marretadas !!"
Foram-se se passando as horas, dormiu no chão em frente ao corpo. Sonhou
novamente com doces sonhos, lugares lindos, pessoas lindas, o vento, vozes suaves....toscas,
o ranger da vitrola, a voz da mãe, o tagarelar da mãe em seus
ouvidos: "Acorda desgraçado, preguiçoso, hora de ir trabalhar!".
Acordou assim, num sobressalto, a mãe a sua frente, as mãos nas
cadeiras, gritando e ele ali no chão da sala. Levantou-se horrorizado:
lá estava ela, viva, cruel, sem marcas, impune. Como uma fera agarrou
o pescoço da velha e apertou, ela gritava, logo o grito morreu em sua
garganta, a língua roxa, pendurada. Para se certificar pegou o martelo
e desferiu dois, cinco, vinte golpes. O sangue em sua roupa, abriu a porta,
louco, gritando: " Matei a desgraçada ! Matei a desgraçada
!!"
Quando a polícia chegou encontroou pelas ruas andando com um martelo
nas mãos, louco, transtornado. A mãe ligara para a polícia
assim que viu o filho correr para rua aquele martelo na mão. Levaram-na
para o hospício, onde ele vive segurando um martelo imaginário,
esperando um dia de visita da mãe.