A Garganta da Serpente

Madalena Barranco

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Bananas Douradas

(Madalena Barranco)

Mais uma banana?! Pensava indignado o macaco. Encostado à grade observava como as pessoas riam dele, enquanto ele não achava graça alguma nisso - e o pior é que não podia falar, mas... Podia defender-se. Cansado de bananas e amendoins começou a revidar os insultos simiescos e após descascar as bananas e deixar o público hipnotizado, num movimento teatral jogava as bananas de volta estatelando-as na cara dos incautos. Não funcionou, porque o povo ria mais ainda.

À noite, quando o vigia trocava de turno e não passava por lá, o macaco planejava sua fuga escavando um túnel sob a cela. Destemido cavava com as próprias mãos - afinal estava só - seu último companheiro de prisão morrera de saudades da sua terra. Ah! Que saudades da floresta africana de onde fora roubado. Sem falar na doce Chiquinha, que morreu comendo uma banana envenenada, que algum infeliz lhe deu.

Teobaldo, um chimpanzé negro azulado, não teria esse fim - ele era muito forte e não descansaria até voltar para sua casa. Ele era muito esperto - o veterinário costumava dizer que seu Q.I. era acima do normal, por isso, Teobaldo sabia que ninguém o tiraria de lá a não ser para torturá-lo em experiências de laboratórios, como já suspeitava há algum tempo.

Triste, questionava a simiesca necessidade de um humano (completamente feio e pelado - pareciam-lhe peixes lisos) em divertir-se com a sua prisão e desgraça. Ele lera algo sobre Dante - portanto: aquilo era dantesco - até crianças eram ensinadas e rirem da desgraça alheia. Hum, pensou, queria ver se fosse ao contrário...

Num dia de tempestade em que a energia falhou, Teobaldo se enfiou pelo túnel e se libertou. Furtivamente esgueirou-se pelas beiradas indo parar na rua. Sequer ligaram para ele - era tarde da noite e alguns bêbados e drogados achavam que era alucinação.

Correu como nunca - sabia do risco de vida - e chegou ao aeroporto internacional quase morto e esfomeado. Mesmo assim, não esmoreceu.

Nosso herói enfiou-se no setor de carga animal dentro de uma caixinha de viagem própria para transporte de bichos e segurou a respiração até sentir que era carregado pelas esteiras até o avião com destino à África.

Teobaldo desmaiou de fome e cansaço e quase foi dado como defunto pelo homem, que estava na mesma situação em que ele e o sacudia com curiosidade. Abriu os olhos e achou que estava morto - tinha um homem magro e triste olhando com piedade para ele. Oh! Pensou, ninguém o olhara com respeito e pena até agora. O homem, que deveria estar sofrendo muito porque estava passando frio extremo e fome no setor de carga animal, partiu o que seria seu único alimento: um pão velho e repartiu-o com Teobaldo.

O homem chorava e lhe contou sua história: era um fugitivo da prisão que cumpria pena por algo que não fizera - fora usado como bode expiatório e ridicularizado atrás das grades - tendo servido de palhaço numa história de roubo, sem direito a defender-se, porque ninguém acreditava nele. Aí, cavou um túnel e fugiu enfiando-se naquele avião como clandestino...

Chegando ao destino, Teobaldo achou um jeito de escaparem juntos, pois aquele aeroporto parecia mais um descampado do que outra coisa. O macaco levou o homem para sua casa na selva.

Não dá para imaginar a felicidade dos pais de Teobaldo e da menina Chica, agora uma moça feita, que lhe fora prometida em casamento. O homem que agora estava impedido de voltar a viver na sociedade tão humana, foi agregado à família dos seus ancestrais e ajudou a plantar mais bananeiras, numa forma de retribuir-lhes o amor e a amizade entre as espécies por mais diferentes que fossem.

Teobaldo, agora macaco velho, contava essa história para os netos catando piolhos debaixo de uma bananeira dourada e lhes falava da lenda de um homem que um dia fora humano.

  • Publicado em: 22/06/2006
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