Não me lembro da primeira vez que vi você. Sei que era uma época
e um lugar onde as ondas salgadas do mar quebravam na areia cinza e batida.
Batia morno, o mar. Monótono e ritmado.Sem ressacas, nem calmarias.
Mas, tudo isso foi antes de ver você pela primeira vez. Ou melhor, antes
da primeira vez que seus olhos me iluminaram.Lembro-me bem. Você estava
sentado, sorria e apenas olhava para mim. Olhava às vezes, quando era
permitido, quando ninguém nos via nos olhando.
Mudamos de lugar, de paisagem por coincidência. E, nesse novo lugar, o
mar já era colorido e batia descompassado na areia branca, areia branca
de paraíso escondido.Acho que o mar quebrava assim, descompassado, pois
não conseguia acompanhar o nosso compasso. E água dele - do mar
- era doce, água doce de mar verde e céu estrelado, de amor inocente
e puro e mal compreendido, de abelha rainha. De Djavan. Amor de arroz integral,
prancha de surfe, amor de luau, de mosquiteiro na cama, de bromélias
e orquídeas nativas, de cachoeiras e de paixão.Amor de Maresias
e de Taubaté. De Itanhaém e de Campos do Jordão. Amor enfim.
Amor de fruto concebido e descartado. Amor. Amor inesquecível e verdadeiro.
O tempo passou. Demorou, mas passou. Passou tanto que já transcorreram
mais de vinte anos. Hoje, mal sei de você. Sei que você não
desliza mais sobre as ondas, e sim, mergulha sob elas (ah, se eu fosse você,
mergulharia e me veria nessas águas profundas e cristalinas e coloridas
e transparentes - pois, se fosse eu a mergulhar, veria novamente seus olhos
me iluminando).
Só sei que as lembranças não se calam, não dormem,
não se tranquilizam...Não as minhas. Sei, também,
que você tem hoje outra vida. Eu também. Você tem a sua família.
Eu a minha. Mas, não me canso de pensar, todos esses anos, como teria
sido se a sua vida e a minha vida fossem, hoje, uma só.