A Garganta da Serpente
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A Face do Sonho

(Lira Vargas)

Sandra, uma linda gaúcha, de grande talento artístico, iniciava no teatro, surpreendendo a todos, mas teve uma gravidez inesperada aos quinze anos, quando nasceu Luiza. Sua vida foi um transtorno, pois dividia seu sonho com uma criança indesejada. Os anos foram passando, o sucesso fazendo parte da vida de Sandra, que se projetava a cada espetáculo no teatro do Rio de Janeiro.

Luiza foi crescendo, muito diferente da mãe, chegava a ser considerada, feia, e a pior, rejeitada pela mãe famosa. Sandra omitia a existência de Luiza, quando algum repórter tocava no assunto, Sandra desviava com um sorriso melancólico.

O tempo foi passando, Sandra estava no auge da carreira aos trinta anos, e Luiza em sua vida insignificante com quinze anos. Luiza admirava a beleza de sua mãe, quando a mesma estava se arrumando para sair, Luiza a admirava, e em sua singeleza uma vez perguntou a Sandra como era ser bonita e famosa. Sandra desconversava e até a agredia com palavras rude. Luiza, mesmo não sendo bonita, tinha uma simpatia e singeleza que superavam a falta de beleza. Colecionava as reportagens que falavam de Sandra, era sua fã, mas silenciosa, pois Sandra nem comentava sobre sua vida com Luiza.

Na mansão, Sandra adaptara uma grande sala de teatro para seus ensaios. Luiza ficava fascinada quando tinha ensaios. Nessa sala, havia uma saída de ar condicionado e ao lado tinha uma pequena varanda que dava para um imenso jardim. Luiza descobrira uma pequena abertura na passagem do ar, e dali assistia solitária os ensaios, chegava a aplaudir sem som sua linda mãe diante dos diretores e produtores dos espetáculos. Luiza percebeu que Sandra iria fazer um novo espetáculo, pois notara telefonemas e as preocupações normais quando Sandra ia começar um novo espetáculo. E em seus pensamentos, Luiza torcia e sabia que seria um grande sucesso, e todas as noites eles ficava a espera desse novo ensaio que para sua ansiedade demorava muito. E na escola, com sua única amiga Lurdes, ela comentava toda sua ansiedade sob o olhar de compaixão de sua amiga. Que não entendia como Luiza podia amar e admirar tanto uma mãe que a negava. Às vezes, Lurdes perguntava a Luiza se ela seguiria a carreira de sua mãe, e em gesto de timidez e tristeza, Luiza respondia que seria impossível, pois não era bonita como sua mãe.

Numa manhã, Luiza procurou Sandra para falar algo sobre o colégio, e notara que ela estava abrindo um envelope com um caderno. Luiza deu um sorriso de felicidade, finalmente o script chegara, e Sandra, em semblante sério, abaixou o material e nem permitiu que Luiza continuasse a falar, resmungou em tom rude que estava ocupada. Luiza, humildemente, compreendeu e pediu desculpas, saindo feliz. Como seria esse novo espetáculo? - perguntava em pensamento e com sorriso feliz.

Foi numa noite de inverno, um diretor que Luiza nunca tinha visto, chegara com uma equipe para uma reunião com Sandra. Luiza estava jantando e Sandra, pediu licença e foi atender o pessoal que chegara na sala de ensaios. Luiza sorriu, e rapidamente foi para seu esconderijo assistir os primeiros ensaios daquele misterioso espetáculo. Ao chegar no esconderijo, Luiza ficou fascinada pela quantidade de pessoas, imaginou que deveria ser um espetáculo muito grande, pois era bem diferente das outras, e em sua singeleza, Luiza bateu palmas sem som e pensou que esse espetáculo, com certeza, iria para o exterior.

E começou o ensaio. O diretor acompanhado de sua esposa tratava Sandra com admiração, sua voz era meiga e segura. Luiza deixou-se envolver por aquela voz, parecia um anjo, ela tentava vê-lo, mas no ângulo que ele ficara, era impossível. Luiza tentava, mas era em vão. O diretor lia o script e informava que o sapateado tinha que ser perfeito, pois seria uma das atrações do espetáculo. Um professor espanhol ensinava os primeiros passos a Sandra. Luiza com o rosto colado na parede deu um sorriso e dizia que seria muito fácil para sua mãe, e num impulso, Luiza imitava os passos do sapateado. Seu entusiasmo era tanto que Sandra tentava acompanhar o professor, e de repente parou do outro lado, Luiza continuara. Foi um silêncio total. O diretor Willis, perguntou quem fizera aquele som. Sandra pigarreou, e desviou a atenção de todos, preocupada, pois sabia que só podia ser a Luiza. Ao terminar o ensaio, quando todos foram embora, Sandra foi ao quarto de Luiza e a repreendeu, dizendo, que nunca mais repetisse. Luiza ficou surpresa, pois então, Sandra sabia de seu esconderijo. Na manhã seguinte, quando tomava café, percebeu que a copeira Seleste tinha um sapato parecido com o que sua mãe usara no ensaio, e em gesto de menina, pediu que lhe emprestasse o sapato. Seleste, sorrindo, disse que não tinha problema, e quando Sandra saiu, Luiza foi com a copeira tentar os passos no teatro de sua mãe.

Na escola, Luiza treinava os passos sem som na carteira da sala para não ser chamada a atenção, e no intervalo, chamava Lurdes para ajudá-la, Lurdes ria de Luiza, que insistia com seriedade que observasse se estava certo.

E nos outros ensaios, Luiza não resistia e ia para seu esconderijo. E outra vez, fez os passos do sapateado. E para sua surpresa, Sandra já sapateava, mas sem a aprovação total de Willis, mas ainda faltavam alguns meses para a estreia.

Naquela noite, foi movimentada para Luiza, pois percebera que além do sapateado, tinha uma música linda para acompanhar. Uma professora de canto ensaiava Sandra. Luiza do outro lado prestava atenção na melodia e saia correndo até o jardim e para sua surpresa, sua voz era linda, e combinava muito bem com a melodia. Sapateava, e cantava sozinha no jardim. Voltava para seu esconderijo para assistir. E nessa noite ela ouvira Willis falar com Sandra que não tinham mais tempo para outros ensaios, que Sandra não conseguia assimilar o sapateado e a melodia, que teria que aceitar um duble que ficaria atrás das cortinas para esses dois atos. Sandra mostrou-se revoltada, mas aceitou a ideia. Então ficara combinado que na outra noite trariam o duble. Nesse instante, Luiza foi tomada por um impulso assustador, saiu do esconderijo, correndo pelo jardim, deu a volta enorme até a entrada do teatro, ofegante parou na porta, bateu, e alguém abriu, entrou e sob o olhar de reprovação de Sandra, parou diante a Willis que a olhou espantado: não sabia de sua existência. Luiza com um vestido longo, infantil demais para sua idade, tentou falar, sendo interrompida por Sandra que a mandou voltar. Mas Luiza insistiu olhando nos olhos de Willis, tentava falar, Willis, em gesto atencioso, pediu que Luiza falasse, fazendo gesto para Sandra ficar quieta. Luiza então, sem nada falar, fez o sapateado, e para surpresa e fascínio de todos, soltou a voz, a equipe extasiada: pareciam hipnotizados tamanhos talentos numa pessoa tão simples, tão magrinha, tão sem beleza. Ao terminar, sob o aplauso de todos, Luiza pediu para ser a duble de sua mãe. Foi feita uma reunião relâmpago, e o ensaio varou a noite toda, Luiza cada vez fazia melhor.

Chegou o dia do espetáculo. Luiza ficaria atrás das cortinas. Sandra representava a trama de um espião americano perdido na Rússia ela vestida de soldado russo, tentando fugir, quando chegam os guardas, e quando está acuada num paredão, sob a mira de fuzis, o soldado se revela cantando New York New York. Os russos em risadas descobrem que o soldado é uma mulher, esperam que ela termine a música e a fuzilam. A plateia fica de pé aplaudindo o espetáculo. O palco escuro, uma luz sobre Sandra, ela vaidosa pelo sucesso, agradece a plateia, atrás da cortina, Luiza emocionada, sorri chorando de emoção pela mãe adorada pelo público.

Na manhã seguinte, os jornais comentam o sucesso. Ninguém sabe que a voz e o sapateado eram de Luiza.

O espetáculo se repete por quinze dias com sala cheia. Até que um dia Luiza fica sabendo que o espetáculo fora convidado para apresenta-se na Broadway. Era tudo que o Sandra queria. O último espetáculo no Brasil, fora marcado para um sábado. Toda a imprensa fora convidada. Luiza em seu anonimato torcia para aquela noite marcante, pois no outro mês estariam em NY.

O espetáculo começa. Luiza posicionada atrás da cortina. Sua roupa comum. De saia azul, blusa preta, microfone na mão, sapato especial para sapateado, aguardava sua vez de entrar em cena. Fora chegado à hora. O teatro lotado. No ato final, quando acaba de cantar, ouve os disparos dos fuzis, a plateia aplaudindo, varias flores são jogados no palco, os aplausos ecoavam pelo teatro, nos rostos lágrimas emocionadas, Sandra sob uma forte luz azul, reluzindo a farda de soldado americano, se levanta do chão, agradece a plateia. Sua maquiagem pálida, olhos contornados de negro, faz o gesto de agradecimento, vira de costas para a plateia e surpreendentemente, levanta num impulso a cortina mostrando a cantora e sapateadora, dizendo ao público que os aplausos eram para Luiza sua filha. Luiza pasma, tenta fugir, mas Sandra a abraça e informa que tinha muito orgulho de sua filha.

O espetáculo foi para NY, Willis acompanhou. E na última noite do espetáculo, Sandra revela que Luiza era sua filha.

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