Pressiono o dedo na ferida, estou febril
absorvem as ilusões estas mãos que só querem te poder
tocar.
Hoje o dia passou lento, S. A brisa fresca entrou pela janela do meu quarto
o dia todo. Decidi ficar sentada na cama, criando linhas inexistentes, alinhadas,
desalinhadas com a folha. Desenhei o que os dedos permitiram. Doía-me
as mãos.
Enigmáticos os olhos que desenho, fazem-me lembrar os teus. Páro!
Não posso recordar-me de ti. Sacudo a cabeça na ânsia de
te afastar dos meus pensamentos.
Não, não é possível.
Tento deter toda a saudade à porta do pensamento. S, és demasiado
grande. Começas a ficar demasiado apertado na minha alma. Não
vês? Não sentes?
Hoje queria falar-te do mar que visitei ontem.
Um pequeno paraíso que começava no vasto mar e acabava nas dunas
extensas e belas. S, se visses esta beleza. Gostava de ter partilhado contigo.
Tirei os sapatos e comecei a correr na areia, parecia flutuar. Era de cores
indecifráveis, deliciosamente belas. Os grãos de areia pareciam
pepitas de oiro a escorregar pelas dunas.
No meu rosto rasga-se um sorriso.
O mar enche-se de pássaros, os juncos ensopados, os pequenos barcos
silenciosos lá no fundo passeiam, parece que beijam o azul. O céu
forma pinturas jamais vistas por mim. Um misto de cores imagináveis,
laranja, oiro, azul, cinzento. Os meus lábios incendeiam-se e a pele
começa a adquirir um sabor a salgado das algas. Rodopio e canto. A saia
parece bordada de búzios que tocam para mim. Uma verdadeira orquestra
vinda de um paraíso jamais sentido, jamais tocado.
O vento começa a varrer o corpo, empurra-o. Sinto-me frágil,
cansada. Quase desisto de percorrer os longos caminhos das ruas. Chuvisca. A
água começa a apagar o fogo que alastra a pele. Sinto-me mais
tranquila agora.
Saudade é a única palavra que ecoa aqui e ali, acolá,
em todo o lado.
Sabes, dirigi-me ao mar, tive medo das grandes ondas. Enterrei os pés
na areia molhada e estiquei as mãos de modo que tocasse na água.
Tentei lavar as minhas mãos, tirar todo o teu cheiro e o teu rosto que
cravei nelas. Em vão, fui cobarde. Não quis te perder para o mar.
Sentir-me-ia enojada, ficaria com ciúmes do oceano. Porque serias somente
dele.
Voltei para casa. Deitei-me e derramei lágrimas que se formaram em cristais.
Pousei-os na janela, esperando que o tempo os quebra-se. É tarde, meu
amor.
Em mim a lama. Os dias-sem-ninguém, as noites-vestidas-de-sombras
Fica em mim o doce da destruição. Aceito o desafio do teu desdém.
Sinto na boca o gosto a queimado.
Possuo o corpo ferido destas magoadas palavras que te canto.