Ao olhar a porta fechada do banheiro refletida no espelho, foi inevitável
que o velho pensamento surgisse novamente: "e se, do outro lado da porta,
no quarto escuro, existisse algo a me espreitar. Um ser indescritível,
olhos amarelados, pele grossa e vincada, chifres, dentes inúmeros. Um
hálito infernal. Somente espera que eu apague a luz e abra a porta para
saltar sobre mim e então a agonia seria inenarrável".
Era inevitável, rotineiro. Todos as noites, quando ele entrava no banheiro
para escovar os dentes e cuidar de outras necessidades, enfim, de preparar-se
para dormir, o pensamento surgia e ressurgia, incontrolável. O quarto
às escuras, onde a mulher já dormia, conduzia ao banheiro. O simples
ato de fechar a porta, isolando aquele ambiente iluminado do outro, no escuro,
criava mil possibilidades, infelizmente todas tenebrosas.
A escova de dente prá lá e prá cá, fazendo seu trabalho,
auxiliada por espuma, que aumentava abundante; o olhar vagueando pela pia, pelo
aparelho de barba, pelo sabonete, pela torneira pingando. Subindo então
para a parede, fixando-se nos ladrilhos e suas imagens subliminares; por fim,
no maldito espelho. E no espelho, refletida, como a zombar dos esforços
para ignorá-la, a porta fechada.
O homem riu-se, numa tentativa de autoenganar-se. Desprezo do inevitável,
tentar ignorar a realidade, numa negação covarde.
"Mas que bobagem! Como sou idiota! Já não era hora, com essa
idade, de saber que tais pensamentos, esses medos pueris, são simplesmente
impossíveis? Até parece...".
Triste tentativa.
A mente vagueia como um cavalo chucro: "não é um monstro
com olhos amarelos que está no quarto, do outro lado da porta. É,
sim, algo indizível, indescritível, incorpóreo. Algo como
o próprio medo: desesperado, inconsciente, irracional, pegajoso e gelado.
Só uma coisa não muda: ele quer me levar com ele".
O incômodo da situação, que se repete todas as noites, não
parece diminuir como os outros pensamentos sobre um perigo desconhecido. Ao
contrário, mantém-se, como um aviso, daqueles que são pregados
nas paredes: o perigo que é alertado nunca diminui, está sempre
ali; existe e não se pode ignorá-lo, sob pena de pagar alto preço.
Assim pareciam aqueles momentos no banheiro: avisos.
Terminou. Cuspiu a espuma, enxaguou a boca e lavou a escova. Virando-se, levantou
a tampa do vaso, sempre evitando olhar no espelho. Só não consegue
evitar os pensamentos.
"Na verdade, a porta do banheiro é uma passagem para outra dimensão,
um espaço-tempo paralelo, à primeira vista igual ao nosso, mas
onde ocorrem situações alternativas, nem sempre agradáveis,
de nossas vidas. Continuamos casados com a mesma pessoa, temos os mesmos amigos
e familiares, o mesmo emprego. Mas pelo simples abrir a porta e sair do banheiro,
nossa realidade já não é mais a mesma, passamos para outra
vida. E assim, todas as noites quando saio do banheiro, sou outro. Na verdade
somos cobaias de um experimento sócio-cultural de dimensões planetárias...".
O homem voltou à realidade com o esvaziamento de sua bexiga. Sorrindo
com o absurdo que pensou, deu a descarga e se preparou para sair do banheiro.
Inevitável olhar para o espelho. E nele ver refletida a imagem da porta
fechada. O medo era real, e perturbava-o. No fundo do seu consciente, ele sabia
que havia algo lá do outro lado.
"Agora falando sério (ou pensando sério). Acho que vou começar
a deixar o meu abajur aceso antes de entrar no banheiro. Já estou de
saco cheio, toda noite ter a mesma sensação".
Suspirando e sentindo um desconforto palpável, virou-se, ficando de frente
para a porta fechada. Inspirou profundamente, apagou a luz do banheiro e abriu
a porta.
A escuridão, com seu abraço arrepiante, o envolveu imediatamente...