A Garganta da Serpente
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Conversa de bêbado

(Lauro Oell)

— Ô João, como é qui ocê sabe qui aquele carro lá fora inxiste mesmo?
— Mas qui pergunta é essa, seu bocó? Para di bobeira i toma tua pinga aí, senão quem vai tomá sou eu.
— Num é bobeira não. Responde prá mim, faiz favor.
— Ora, eu sei qui o carro inxiste pruque eu tô veno ele ué!
— Intão! Agora, si o carro for embora, na hora qui ele virá a esquina ali embaixo, nóis num vamo vê ele mais, certo?
— Certo.
— I aí, como é qui vamo sabe si ele existe mesmo?
— Muito simples, sua anta! Um carro num sôme só pruque virô a esquina i ocê num vê ele mais. Agora cala a boca i bebe tua pinga duma veiz. Ara, cada uma qui mi aparece.

Acabam com as pingas. Colocam mais uma dose nos copos.

— Sabe o qui é, João, eu fiquei meio encafifado com umas coisa qui eu andei pensano...
— Ai, meu Jesus Cristinho. Fala ôme. Qual é o teu pobrema?
— Seu eu fechá o zóio, como é qui eu vô sabe qui as coisa inda tão por aí?
— Cumé qui é? Fala miór aí qui eu num intindi foi é nada!
— Quano ocê fecha os zóio, ocê num vê mais é nada, certo?
— Certo!
— Intão! Mas quem é qui mi garanti qui quano eu for abri o’zóio, as coisa inda vão sê as mesma? I si elas sumiu todas enquanto eu tava co’zóio fechado?
— As coisa num some anssim, di uma hora pr’outra, ora!
— Mas i quem qui mi garanti qui num vão sumi um dia? I si num vão, pruque qui elas num somi, ôme?
— Ocê tá é mi irritano co’essa cunversa. Prá qui isso agora? Ocê tá duenti? Tá bebeno dimais?Ou di menus?
— Eu num sei, ômi di Deus. Otro dia acordei co’esses pensamento na cabeça. I eles vive mi atazanando as ideia, dum modi qui num sei expricá. Qué vê otros pensamento qui eu comecei di pensá?
— Eu inté tenho medo di ti orvi, mais amigo é prá isso mermo. Fala aí, ômi.
— Pur exemplo: quem é qui garanti qui eu vejo as merma coisa qui ocê? Quem é qui mi garanti qui os gosto qui eu próvo são os mermo qui os qui ocê prova?
— Pára, Pára, Pára, ômi! Ocê num tá bêbo não. Ocê tá é loco das ideia, isso sim! Mais qui ideia mais loca di arredá pau são essa? Os zóio são tudo iguar i todo mundo tem dois zóio. Por isso todo mundo inxerga di iguarmente tudo. Ôcê nunca foi prá iscola não, seu burro? Óia aqui a minha língua: vermeiona i grandi, di iguar qui nem a tua. Por isso todo mundo tamém sênti os mermo gosto, ô seu ôreia! Teu pai nunca ixpricô isso não? I os padre? Eles num dizem qui todos os fio di Deus são iguar? Então é craro qui nóis vemo tudo di igual qui nem os outro todo. I os gosto tamém são iguar pra tudo mundo.
— Mas si somo tudo di iguar, pruque pensamo diferente tanta coisa? Pruque eu pensei essas coisa i ocê não?
— Isso eu tamém sei ixpricá, sô! É pur curpa dos diabinho, qui fica dos lado dos fraco das ideia para atentá eles. É eles quem fica colocano essas ideia diferente nas cabeça dos vivente. Ocê tem qui tomá cuidado, pruque tem um diabinho aí do teu lado ti atentano. Si ocê ficá falano as coisa qui eles coloca na tua cabeça, os teu amigo, todo mundo acaba saindo di perto d’ocê, pruque pensa qui ocê tá é loco desses di interná no ospitar.
— I intão! Ocê tá coberto di razão, João. Muito brigado pur mi ajudá nessa necessidadi. Num sei o qui eu faria sem teus conseio!

Acabam com as pingas novamente. Nova dose é servida e tomada com gosto e alegria, afinal o problema estava solucionado.

— Amigo João?
— Qui foi agora?
— Sabe qui ocê tava certo sobre os diabinho? Agora mermo tão fazeno minha vista gira toda, só prá modi mi perturbá, esses fio do cão!
— Isso não é os diabinho não.
— Num é os coisa ruim?
— Isso aí é a pinga qui tá infruíno nas tua ideia.
— Ô cumpadi inteligente esse sô!

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