A apreensão tira o brilho dos melhores momentos da nossa vida.Isso eu
pensava estando reclinado sobre a almofada com o cheiro dela, sob o fardo de
todo o meu desejo frustrado.
Momentos perfeitos. Eis o que atormenta nossas imagens eróticas. Aliás,
a arquitetura dos momentos perfeitos. O fardo sobre o ombro dos amantes. Esmagamento
de todo o real gozo, na plena acepção do termo, quando, oprimidos
pela espera a frustrados pelo encontro, deixamos que a leveza do beijo se transforme
no encargo da performance, do dever de agradar, de levar o outro ao êxtase
jamais antes alcançado e, que julgamos em nossos corações
cobiçosos, somente nós, os amantes plenos, poderemos levar a bela
que se entrega ao nosso desejo.
Conheci Dorothy no aeroporto, nos fins de uma primavera de promessas, meio enevoada,
devido a uma frente fria, diziam, e foi isso que logo comentei com a minha vizinha
de poltrona, à espera do voo para o Rio. Trocamos celulares e lembro
que, logo de início, enviei muitos torpedos românticos e saborosamente
eróticos, quando sentia o perfume da sedução , eu me envolvia
em seu cheiro como num agasalho.
Pude reencontrá-la, cerca de um mês depois, em um boulevard
de Juiz de Fora e, bebericando café expresso, comentamos nossas últimas
façanhas, inclusive as eróticas, amorosas e tal. E logo lembrando
um emprego novo, partíamos a descrever os colegas, o charmoso patrão,
as pernas da nova secretária, o flagra inusitado de um office-boy
se masturbando no toilete, e outras cenas que despertavam olhares de
gracejos e desejos.
Marcamos um encontro para a noite seguinte, quando iríamos ao teatro
municipal, e aquela sexta-feira terminou com um beijo ardente. Assim, passei
o dia seguinte, um sábado de sol, a procurar presentinhos e bibelôs,
além de frequentar floriculturas e lojas de moda feminina. Antes
de ligar para confirmar o encontro, passei numa farmácia e comprei sabonetes
de luxo,
além de preservativos. Estou com uma dúvida aqui, liguei para
ela, entre chocolate ou morango, qual seria? Ela riu. Na dúvida, levei
um pacotinho de cada sabor.
Um banho rápido, no hotel. No táxi acompanhado pelo silêncio.
Ela atendeu-me sorridente, mas sem arrebatamentos. Eu conferi, mentalmente,
a lista de procedimentos, enquanto oferecia os presentes.Esqueci do gracejo,
decorado, sobre os sabores. Demorou um século no banheiro. Eu esperava.
Ela encarou meu folhear das revistas como frieza.
(Mar/06)