A Garganta da Serpente
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Uma outra carta para o Velho Caudilho

(Luiz Morvan Grafulha Corrêa)

O Tuquinha, cada vez mais abismado com o crescente rol de falcatruas promovidas no Planalto, abancou-se e escreveu, ao pai da pátria:

Bravo y Viejo Caudillo:

Mais uma vez é o índio caborteiro e ignorante do Basílio, terra que bem conheceis porque, inda no exílio, durante as madrugadas, muitas vezes aqui viestes dar com os costados, algumas vezes para aplacar as saudades dos pagos, outras, para saber notícias das gentes e em igual número de oportunidades coube-me a honra e o privilégio de quedar-me de plantão, junto da porteira grande, de lampião apagado para não chamar a atenção dos passantes poucos ou da milícia que sempre nos andava a rondar, isto, quando não ia até o Aceguá, para vos vir por diante, abrindo caminhos pelas estradas vicinais tortuosas, alvorotando dorminhocos e corujas, até o Rincão do Sol, onde, depois de merecido descanso e boia, vossa excelência nos brindava com discurso inflamado e sempre patriótico.

Sucede, governador, que desta vez não é pelas boas lembranças que vos escrevo. Nem para dizer-vos que por aqui tudo ainda vai igual. Pelo contrário. É para relatar-vos que, depois da vossa partida, muita coisa cambiou e cambiou para pior.

Pode acreditar vossa excelência, que em Brasília, onde, com a vossa ajuda auxiliamos el Herrero a se alçar, uma súcia de corruptos meteu as mãos nos cobres do povo e, não fosse o trabalho vigilante da imprensa, ficaria tudo por isso mesmo?

Pois é verdade. Juro por Deus. E é tão grande o descalabro, que anda a se dizer, por aqui, que aquele vosso velho desafeto de São Paulo, o tal de Paulo, com perdão da repetência, se enquadrado, deve ter julgamento garantido no Tribunal de Causas Pequerruchas, tal a monta do que, por ora, nos deparamos.

É triste, governador. É muito triste, pois afinal, crentes alguns, justificadamente desconfiada a maioria, julgamos que, em não sendo convosco, era com ele que restabeleceríamos o estado de direito e entraríamos, nós que sempre pertencemos ao terceiro estado, no estado de graça, e que acabamos, isto sim, entrando de ponta cabeça em verdadeiro e genuíno estado de choque, para dizer pouco e por assim dizer.

De sorte que acho que não hay mais jeito, excelência. Perdeu-se a vergonha por completo, uma vez que medo se já não tinha, porque a lei é frouxa e tendenciosa e ainda hoje, como em seu tempo, serve só para os miserandos.

Verdade é que, com um olho na imprensa e outro no ibope das manchetes, instauraram umas Comissões de Inquérito que não vão dar em nada porque para dar, terá de desangrar nel propio sangre, e o dos políticos, sabe muy bem o governador, que é imune e viscoso, porque a corporação é grande e, ao fim e ao cabo, todos têm os rabos presos e se um bailar, bailam todos, tal e qual aquela travessia de rio narrada pelo meu compadre Romualdo, que os macacos fizeram, dependurando-se uns nas colas dos outros até que, tendo os jacarés abocanhado o primeiro, que passara ao rés da água, lhes foi fácil mastigar até o derradeiro, que, num ato de heroísmo, acabou se enforcando com a própria cauda.

Analogias de um lado, macaquices de outro, hay de se rir para não chorar. O país está entregue às traças. Ou melhor, como se diz vulgarmente, aos traçadores. E não há uma voz mais valente que se alevante, nem um caudilho mais intrépido que se faça respeitar e todo dia é um lodaçal de dar dó.

Aí andei pensando e repensando e uma ideia, talvez disparatada, me ocorreu.

Imaginei o ilustre governador deixando estes campos serenos e descendo até aqui, secundado por uma plêiade de bravos, de garruchas nas cinturas e sabres desembainhados, alumiando, em imenso tropel, qual cavaleiros do Apocalipse, para botar na soga quem a soga merecer e para restaurar a decência de que tanto carecemos.

Ide pensando excelência, e reculutando, dentre os melhores, aqueles que vos acompanharão, que enquanto isto, aqui, tomo eu, entre os vivos, esta incumbência e chegada a hora, decerto que, com meu punhado de gentes, de lampiões encendidos, vos estaremos a espera junto da mesma porteira grande, de onde partiremos para a sagrada e necessária cruzada.



Com um grande abraço do velho cabo.


Tuquinha

Basílio, 9 de agosto de 2005.

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