O Tuquinha fora para Pelotas, a mando do deputado e da mulher, para fazer
uma série de consultas com um doutor de almas muy afamado que por lá
andava, há muito, clinicando. Atendido, mandou-lhe o homem que passasse
os dias a esfregar o pingo e a fazer um diário, relatando as atividades.
No más, que esperasse em casa enquanto o profissional ia estudar o tratamento
adequado. O gaúcho era cumpridor dos deveres e fez o que lhe fora determinado.
Passou-se uma semana. Passou-se outra, e nada. Nada do diplomado fazer contato
com o índio. Aí então, porque verdade seja dita, não
era o gaudério de muita paciência, resolveu escrever-lhe uma carta.
Saiu assim, mais ou menos:
Ilmo. Sr. Doutor de Almas e de Aflições:
Quem vos manda esta missiva, escrita a bico de pena de rabo de perua é
aquele índio grosso que vos visitou, mais a mando do que por vontade
própria, num outro dia, e que teve o prazer de, por mais de hora, manter
uma charla muy agradável com Vossa Senhoria.
Valho-me portando de tal oportunidade para informar-vos que em verdade, estou
de saco cheio de esperar por notícias Vossas. Se fosse de uma prenda
lindaça, tudo bem. Mas o ilustríssimo senhor doutor é feio
como o capeta e mesmo que não o fosse, sendo homem, não me faz
o tipo. Das coisas que me mandou fazer, tenho a relatar que gastei o pelo do
pingo de tanto esfrega-lo e que já enchi uma resma de almaço de
escritos que agora, pensando melhor, acho que não serviram para nada
a não ser para pensar que perdi o meu tempo, gastei metade do canudo
da pena, meio vidro de tinta Pelikan, disse umas coisas que pensava, outras
que sentia, omiti ainda as que considerava desnecessárias, e só.
Por graça de Deus não aceitei o remédio para alegrar bobos
que V. Sa. me queria receitar porque no passado já o tomei e não
fiquei alegre; ou porque não sou bobo ou porque não consigo rir
quando um remédio me impede de, no tempo regulamentar razoável,
atingir aquilo que V. Sa. chama, do alto da Vossa erudição, de
orgasmo e que aqui no Basílio e nas vilas da volta, chamamos de gozar.
Como não sou muito letrado, não sei em verdade se falávamos
da mesma coisa, mas pelo olhar malicioso que V. Sa. me dirigiu, quando vos perguntei
dos efeitos, acho que sim.
Já o outro, o para dormir, funciona perfeitamente. Tão perfeitamente,
que uma noite destas caí no sono enquanto estava dando uma cobertura
na patroa. Devo informar-vos que ela não gostou nadinha e suspeito, em
estando ela sentada sobre o baú da prata, que eu vá ter alguma
dificuldade, em continuando a ingeri-lo para dormir, de efetuar-vos os pagamentos
necessários pelas consultas. Isto, se as viermos a ter.
Mas na verdade, não é por isso que vos escrevo. Andei pensando
melhor e achando que a maioria das minhas aflições têm muito
a ver com mulheres e fiquei a imaginar se V. Sa. não teria, por acaso,
alguma douta colega, de mesma profissão, mas que fosse bonita e bunduda,
para que eu me sentisse mais à vontade e pudesse deitar naquele sofazinho
miúdo para charlar das minhas taras sem muita atucanação,
estando ela no início na poltrona e quem sabe, num futuro, apertadinha
comigo no mesmo diminuto sofá, porque sabe V. Sa., que em se querendo,
qualquer lugar é bueno.
Não gostaria que o ilustríssimo se sentisse refugado em não
querendo mais este ex-futuro paciente voltar a conversar sobre seus males com
Vossa generosa pessoa. É que na minha ótica, os males vêm
do fundo da alma e têm, provavelmente, também muito a ver com a
minha mãe e talvez mais ainda com as mães dos outros. De qualquer
sorte, não me sinto muy à vontade de falar dessas coisas com outro
índio bombachudo.
Tem mais: Fiquei pensando outrossim que a Vossa demora em dar-me retorno da
consulta, tivesse alguma coisa a ver com algum eventual conciliábulo
que V. Sa. estivesse imaginando ter com vossos pares, para verificar a natureza
do tratamento que me iria prescrever. Aí, como já andei lendo
os meus livrinhos, na biblioteca do deputado, assustei-me, pois fiquei sabendo
que nos causos perdidos ou V. Sas. eletrocutam os miolos dos viventes, ou os
põe em ponchos de borracha muy justos ou ainda, na pior das hipóteses,
os mandam para a capital, para um hospital de onde nunca se sai, situado na
Av. Bento Gonçalves, que por sinal tem o nome do homem que guarda, segundo
se diz, as chaves das portas do paraíso.
Sendo estes, no momento, os assuntos que tinha a dizer-vos, despeço-me,
respeitosamente. Tuquinha.
Basílio, 30 de setembro de 2002
P.S.: Lembrei agora de uma coisa. Gostei muito do vosso falar meio castelhano,
que avivou na minha memória uns tempos em que andei lá pelas bandas
da Argentina, de namoricos com uma prenda formosa e achei - veja o doutor a
loucura - que poderia V. Sa. ser-lhe parente e ter avisado à família,
a qual estaria por esperar, antes de marcar-me outra consulta.
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