O gaúcho andava lejos das casas e como tempo havia em abundância,
esteve a ler um livro, que lhe caíra em mãos, que tratava da falta
de privacidade a que nos estávamos submetendo, tacitamente ou não,
e assim, lascou, para quem se interessasse:
Indiada Deslumbrada:
Andei lendo, por estes dias que tenho passado no exílio, um livro
de um autor canadense - e por falar nisso, lembro que há duas versões
para o nome deste país, uma, que teria sido dado pelos portugueses que
naquelas costas iam pescar bacalhau e, não encontrando, avisavam para os
navios irmãos que se acercavam, acenando as mãos dos tombadilhos
e gritando "Cá não dá!... Cá não dá!..."
Outra, mais provável, é que lá, como aqui no Basílio,
habitava, em tempos de antanho, uma tribo de peles-vermelhas, de nome "Canadás",
título, por sinal, bem diverso dos da nossa, que era, se não me
engano "Aqui-dá-alguma-coisa", que não lembro mais...
Bem, na verdade talvez nem queira lembrar, porque era uma história que
meu ex-sócio, que nascera em Estrela, contava todos os dias e que muito
me aborrecia...
Pois continuando a falar da leitura, depreendi, por obra do autor Reg Whitaker,
que as pessoas estavam abrindo mão da privacidade em troca de um pouco
de paz e de sossego. Explico. Vi, ainda hoje, nos noticiários, que aqui
na capital da Província estão instalando umas câmeras muy
xereteiras, cuja finalidade é acabar com a bandidagem. Acabar não
é bem o termo. Melhor dito seria espantá-la, para outra freguesia,
longe dos holofotes e da fama não pretendida.
Agora que nos tiraram as garruchas e as escopetas - e devemos lembrar que por
aqui tudo nos vão tirando devagar, - talvez que seja esta uma maneira de
nos darem proteção em troca. Por incrível que pareça,
a coisa funciona, uma vez que, noutras capitais, a implantação do
sistema fez cair vertiginosamente o surto de assaltos e crimes dessa ordem, que
eram perpetrados, na maior sem-vergonhice e cara dura, em plena luz do dia e,
pasmem, até sob as barbas da autoridade competente para reprimi-los.
Aí andei pensando nos prós e nos contras. Nas vantagens e desvantagens
de tal feito. Imaginei, por exemplo, que não sendo ladrão e nem
criminoso muito perverso ou perigoso, estivesse rodando aqui pela capital para
não ser encontrado por algum ex-amor que me quisesse o couro ou coisa ainda
mais querida e de mais serventia e, sem querer, fosse alumiado e capturado por
uma dessas tais objetivas. Problemático, não?
Ou se quisesse dar uma rodada na guaiaca ou nas chilenas na tal Rua da Praia,
mergulhado no anonimato e de repente, algum operador que me tenha visto o retrato
nalgum lugar grite: "Olha lá o Tuquinha!". E lá se vai
uma vida inteira de probidade e de decência.
Aí pensei ainda mais um pouco: e se a moda pega? Se o patrão, que
gosta dessas coisas modernas, por exemplo, intenta de instalar, lá na fazenda,
este tal mecanismo desvendador dos pudores alheios? Como é que eu vou ler
o Diário da Manhã na santa paz de detrás das moitas? Pior:
roubar um beijo da patroa? Tomar banho pelado na sanga de águas tépidas
que serpenteia atrás das casas? Vadiar um pouco nas tardes de verão
puxando alguma trairinha do arroio durante o horário de expediente ou outra
coisa qualquer que seja natural aos mortais?
Em verdade, não sei se sou a favor. Nem sei se sou contra, porque afinal,
não é que nem governo, contra o qual sempre se deve estar, mesmo
que nele se tenha votado, iludido ou enganado.
De toda a sorte, vou voltar a pensar no assunto numa noite dessas em que me falte
o sono ou o abraço da gauchinha, e quem sabe, mais dia, menos dia, tenha
uma opinião formada, resistente, sólida e escorada em arrimo estável
e prometo, voltarei a discorrer sobre o tema.
Um abraço,
Tuquinha
Porto dos Casais, 29 de setembro de 2004.
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