A Garganta da Serpente
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Uma carta para a Prenda, no dia do Defensor Público

(Luiz Morvan Grafulha Corrêa)

O gaúcho volta e meia se inflamava com coisas que não eram importantes e nem respeito lhe diziam. Noutras, desatento, deixava escapar fatos e datas essenciais. Numa dessas, ficou por um tento franzino de alembrar-se - ou de olvidar-se - de um dos dias de maior relevo para o pundonor nacional. Na tentativa de desembaraçar-se do desastre quase tido e cometido, lascou, porque afinal, mais do que todos, acreditava, e para ele, aquela data, acontecia todo o dia:

Minha Amada Paladina da Virtude:

Pensei algumas vezes e outras tantas tornei a pensar sobre o que te dizer nesta data, em que, por coincidência, comemora-se o dia da tua profissão e função e simultaneamente é véspera do nosso, que se repete todo o santo mês, e que desde o primeiro deles tenho te professado o meu amor e a minha admiração quase venerável e não consigo, embora às vezes pródigo em palavras, encontrar, agora que preciso, as adequadas, para prestar-te a homenagem que mereces e o preito a que tens direito, por excelência.

Então, fiquei com as ideias a trotear em conjecturas várias e a pensar no que seria da vida - minha e de outros tantos miles de desfavorecidos - que campeiam por essas plagas sem fim da nossa adorada terra, se não tivessem, nem a ti, nem às tuas colegas, ou aos teus pares, a se baterem por nós e a cuidarem que a Justiça deixasse de ser, para os fracos, uma utopia e deixasse de ser, para o povo probo e cumpridor, uma quimera.

Aí então se fez a luz, ou, como diríeis, fiat lux, e a minha mente alumiou-se e aclarou-se como dia ainda fosse e conclamei, em pensamento, e invoquei, em espírito, todos aqueles que de vós um dia valeram-se e todos aqueles que de vós, valer-se-ão um dia, para que, prostrados, de rodillas, porque é por nós mesmos que ajoelhando-nos por vós, ao fim e ao cabo, nos prostramos, levantássemos, do fundo dos nossos corações e do recôndito das nossas almas, uma prédica por vós, que sois nossas guardiãs e guardiões e sois nossas defensoras e defensores. Por vós, que mesmo durante o breu, nos tendes iluminado e feito com que o sol a ninguém ouse distinguir. Mais: rogássemos que o Direito, através das vossas mentes inteligentes e das vossas capacidades intelectuais privilegiadas, deixe a indiferença das palavras para viver na força das vontades e que a verdade, como já, alguém, há muito disse, possa ser dita sem rebuços e proferida sem simulações, porque a mentira há de enodoar os lábios e a improbidade há de manchar os corações.

E na mesma oração ainda, suplicássemos ao bom Deus, que a tudo vê e a tudo atenta, para que mantenha sempre intactas as vossas forças e inabaláveis as vossas convicções e que os gládios que portais e que com orgulho, quando necessário, brandis, garantam ser a Liberdade um bem permanentemente inviolável, e o bom senso, a razão de ser dos cidadãos, para que, quando um dia, a injustiça, por vossas pertinácias, quedar-se em permanente e derradeira imobilidade, todos deixemos nossos silêncios - o silêncio das bocas e o silêncio dos medos - e venhamos encher de vozes as praças e de gratidão e reconhecimento, pelo que por nós sempre fizestes, vossos corações.

Era o que eu podia, de dentro da minha insignificância e pequenez, nesta data, cheio de amor e de orgulho pelo que fazes, dizer-te.

Era o que eu podia, de dentro da mesma minha pífia mediocridade, nesta data, agradecido, embora sem procuração e embora sem mandato, por aqueles que defendeis, dizer-vos.

Que Deus te guarde, ilumine e proteja, meu amor.

Que Deus vos guarde, ilumine e proteja, brilhantes, incansáveis e insignes Defensoras e Defensores Públicos que conheço ou não.

Tuquinha

Basílio, 19 de maio de 2004.

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