O gaúcho volta e meia se inflamava com coisas que não eram importantes e nem respeito lhe diziam. Noutras, desatento, deixava escapar fatos e datas essenciais. Numa dessas, ficou por um tento franzino de alembrar-se - ou de olvidar-se - de um dos dias de maior relevo para o pundonor nacional. Na tentativa de desembaraçar-se do desastre quase tido e cometido, lascou, porque afinal, mais do que todos, acreditava, e para ele, aquela data, acontecia todo o dia:
Minha Amada Paladina da Virtude:
Pensei algumas vezes e outras tantas tornei a pensar sobre o que te dizer nesta
data, em que, por coincidência, comemora-se o dia da tua profissão
e função e simultaneamente é véspera do nosso, que
se repete todo o santo mês, e que desde o primeiro deles tenho te professado
o meu amor e a minha admiração quase venerável e não
consigo, embora às vezes pródigo em palavras, encontrar, agora
que preciso, as adequadas, para prestar-te a homenagem que mereces e o preito
a que tens direito, por excelência.
Então, fiquei com as ideias a trotear em conjecturas várias
e a pensar no que seria da vida - minha e de outros tantos miles de desfavorecidos
- que campeiam por essas plagas sem fim da nossa adorada terra, se não
tivessem, nem a ti, nem às tuas colegas, ou aos teus pares, a se baterem
por nós e a cuidarem que a Justiça deixasse de ser, para os fracos,
uma utopia e deixasse de ser, para o povo probo e cumpridor, uma quimera.
Aí então se fez a luz, ou, como diríeis, fiat lux, e a
minha mente alumiou-se e aclarou-se como dia ainda fosse e conclamei, em pensamento,
e invoquei, em espírito, todos aqueles que de vós um dia valeram-se
e todos aqueles que de vós, valer-se-ão um dia, para que, prostrados,
de rodillas, porque é por nós mesmos que ajoelhando-nos por vós,
ao fim e ao cabo, nos prostramos, levantássemos, do fundo dos nossos
corações e do recôndito das nossas almas, uma prédica
por vós, que sois nossas guardiãs e guardiões e sois nossas
defensoras e defensores. Por vós, que mesmo durante o breu, nos tendes
iluminado e feito com que o sol a ninguém ouse distinguir. Mais: rogássemos
que o Direito, através das vossas mentes inteligentes e das vossas capacidades
intelectuais privilegiadas, deixe a indiferença das palavras para viver
na força das vontades e que a verdade, como já, alguém,
há muito disse, possa ser dita sem rebuços e proferida sem simulações,
porque a mentira há de enodoar os lábios e a improbidade há
de manchar os corações.
E na mesma oração ainda, suplicássemos ao bom Deus, que
a tudo vê e a tudo atenta, para que mantenha sempre intactas as vossas
forças e inabaláveis as vossas convicções e que
os gládios que portais e que com orgulho, quando necessário, brandis,
garantam ser a Liberdade um bem permanentemente inviolável, e o bom senso,
a razão de ser dos cidadãos, para que, quando um dia, a injustiça,
por vossas pertinácias, quedar-se em permanente e derradeira imobilidade,
todos deixemos nossos silêncios - o silêncio das bocas e o silêncio
dos medos - e venhamos encher de vozes as praças e de gratidão
e reconhecimento, pelo que por nós sempre fizestes, vossos corações.
Era o que eu podia, de dentro da minha insignificância e pequenez, nesta
data, cheio de amor e de orgulho pelo que fazes, dizer-te.
Era o que eu podia, de dentro da mesma minha pífia mediocridade, nesta
data, agradecido, embora sem procuração e embora sem mandato,
por aqueles que defendeis, dizer-vos.
Que Deus te guarde, ilumine e proteja, meu amor.
Que Deus vos guarde, ilumine e proteja, brilhantes, incansáveis e insignes
Defensoras e Defensores Públicos que conheço ou não.
Tuquinha
Basílio, 19 de maio de 2004.
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