A Garganta da Serpente
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Uma carta sobre os Doze da Inglaterra

(Luiz Morvan Grafulha Corrêa)

O gaúcho lera, há um eito, um poema de autoria de Luís de Camões, que não Os Lusíadas e ficara, na época, muito impressionado. Agora, que fatos relevantes haviam acontecido na freguesia, por razão analógica lembrou da leitura e escreveu:

Sobre os Doze da Inglaterra::

Meu nome é Tuquinha e muito ao contrário daqueles senhores, que em verdade verdadeira nem era na Inglaterra que residiam e nem ingleses eram, mas galegos, tenho passado a existência a sonhar com justas; a aspirar salvar donzelas indefesas que se encontrem sob o jugo de magos diabólicos ou soberanos maquiavélicos ou ainda, ultimamente, a divagar ante a possibilidade remota de libertar a pobre plebe de governos tirânicos.

Aí, estando por força da necessidade na capital da Província, tive o desprazer, noite dessas, de ver que se furtou ao compromisso assumido e anunciado, um dos candidatos à intendência aqui do povo, por motivo esfarrapado e esdrúxulo.

Pus-me a pensar a la larga, coisa que faço sem o menor constrangimento, mormente depois que me caiu em mãos, meio que por acidente, um livro de Descartes, intitulado, se não me engano, de Princípios Elementares, que dizia, entre umas coisas buenas e outras que nem tanto, "cogito, ergo sun".

Então, obedecendo ao velho filósofo - que, diga-se de passagem, cogitava só no que a Igreja permitia cogitar - deixei que as ideias corressem frouxas dentro da cachola e me veio à mente a história do tal cavaleiro Dom Magriço, que era, do poema que mencionei arriba, um dos doze valentes lusos.

Sucedeu que partindo em respostas às súplicas que lhes haviam endereçado as damas inglesas, que não tinham encontrado, na época, quem a honra lhes lavasse, talvez por estarem os demais súditos a se bater em outras plagas, quem sabe até nas Falklands - não lembro bem se o causo deu-se durante a Guerra dos Cem Anos ou se quando daquela que moveu a coroa contra o general Galtieri y los demás hermanos - onze dos doze portugueses embarcaram de imediato e abalaram para a ilhota de sua majestade, sendo que o décimo segundo, o tal Dom Magriço, quem sabe por ser mais aventureiro, arribou a cavalo, primeiro para o reino de Francia e depois, quando todos já o davam por cobarde, na hora agá chegou para o recontro, infligindo, ombro a ombro com seus pares, vergonhosa derrota aos ingleses ofensores e aclarando, em campo de honra, el honor de las señoras.

Mas não era, em verdade, sobre justas que lhes queria falar. Nem sobre Camões ou Descartes. Nem sobre cavaleiros britânicos ou portugueses.

Queria dizer que, tal e qual as ofendidas damas inglesas, esperei pelo confronto anunciado e propalado. Não de lanças, nem de gládios, mas de ideias, de planos e de projetos para o futuro governo da nossa vila, para o qual, infelizmente, o correspondente tupiniquim de Dom Magriço não se apresentou.

Não enverguei, por ser outro tempo e outra época, meu traje de luto, assim como o fizera a dama britânica até a chegada oportuna de seu cavaleiro vingador.

O luto agora é outro. É a convicção que trago gravada e indelével de que aquele que falha nas pequenas e mais elementares coisas, certamente e com mais razão ainda falhará nas grandes e decisivas oportunidades.


Acta est fabula.
Tuquinha

Porto dos Casais, 25 de outubro de 2004..

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