A Garganta da Serpente
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A Esfinge

(Lourdes Limeira)

- Decifre-me se fores capaz?

- A Esfinge, senhora e dona dos enigmas, perguntava a todos que se acercavam dela.

- Eu, te decifro, com toda certeza.

- É, herói de Tebas, cidade da Grécia, responde, então, o que é, o que é? Que pela manhã, tem quatro patas; à tarde, três e à noite, duas?

- Édipo responde:

- O homem; pois engatinha, quando criança; anda com dois pés, quando adulto e usa bengala na velhice.

- A senhora Esfinge, dona de enigmas indecifráveis, pensara que jamais ninguém pudesse acertá-los. Mas foi aí que caiu do cavalo. Édipo aceitou o desafio e mais, saiu vencedor. A Esfinge, monstro de cabeça de mulher e corpo de leão, ficara indignada e daí, se jogara no mar.

- Mãe, por que a senhora Esfinge tem cabeça de mulher? - pergunta o filho de Gisela.

- Creio, filho, que deve ser porque dona Esfinge era uma mulher muito inteligente.

- Por que, mãe? As meninas, por acaso, são mais inteligentes que nós meninos, é?

- Não é isso, querido. Os cérebros dos homens são iguais aos das mulheres, comprovado cientificamente. Entretanto, naquela época, as mulheres eram consideradas semideusas, isto é, meio-bruxas. Talvez, seja por isso, Matheus.

- Mas, mãe, não compreendo não. Se as mulheres são iguais aos homens, por que você não sabe dirigir como papai? Você é tão barbeira. Só sabe pilotar fogão.

- Filho, são coisas da vida. Quando você for grande, compreenderá. Dê tempo ao tempo. Isso é da nossa cultura retrógrada e machista.

- Mãe, o que é retrógrada?

- Matheus, é algo antigo, atrasado.

- Me explica, mãe?!

- Têm coisas que com o tempo muda e se transforma em outra coisa, filho. Você não conheceu, porque não foi do seu tempo, mas mamãe escrevia as cartas pro vovô numa máquina de escrever, sabe? Hoje essa máquina não existe mais, porém tem o computador. Assim, têm várias outras coisas, certo?

- Ah! Então quer dizer que a mulher, no passado, era uma bruxa e hoje ela se transformou em mulher, foi?

- Não, meu querido. Deixa pra lá, você não vai me entender mesmo.

- Tá legal, depois quero que você conte outra história pra mim. Beijo, mãezinha.

Matheus dá uma carreira até a sua bicicleta. E sai desembalado.

Alguns dias depois, Gisela já estava outra vez com Matheus ali debaixo da mangueira a embalá-lo na rede, contando as histórias que um dia escutara de sua ama querida: Consuelo. Pessoa culta e prendada. Sabia vários idiomas e ainda bordava, chuleava; além disso, era perita na arte de contar histórias.

Gisela fora muito feliz em sua infância em tê-la como ama. Era-lhe muito grata por maravilhosa companhia e ensinamentos. O que mais a inspirou foram as lendas e mitos gregos, as quais Consuelo tão bem contava. Daí aquela mania de passá-las para o filho Matheus.

- Mãe, como Édipo foi considerado rei ? - Matheus pergunta todo interessado na mesma história.

- Você não quer que mamãe lhe conte outra história?

- Prefiro essa mesma.

- Está certo. Vamos lá então: Lembra que paramos na parte em que Édipo havia decifrado o intrigado enigma da dona Esfinge?

- Foi, mãezinha.

- Daí ele se casa com a rainha Jocasta e se torna poderoso em Tebas. Inclusive vivem por muitos anos e têm vários filhos. Todavia Édipo fora amaldiçoado pelo oráculo de Delfos quando bebê: Que assassinaria seu pai e se casaria com a sua própria mãe. Essa dolorosa realidade, ele só descobriria quando os filhos já estivessem adultos.

- Como?! Como isso pôde acontecer, mãezinha? - Matheus supercurioso.

- É muito complicado esse final, filho, mas tentarei lhe explicar da melhor maneira possível.

-Ôpa, mamãe, legal!

- Vamos ver se encontro as palavras mais simples para sua compreensão, tá?

- Ok, Mamãe. Você conseguirá, tenho certeza disso.

- Bem, Matheus, como eu havia dito antes Édipo se casara com a sua própria mãezinha Jocasta. Porém ele nem desconfiava do ocorrido, já que havia sido criado em outro povoado e por um outro casal: o rei Políbio e a rainha Mérope, pais de criação do Édipo. Havia sido recebido das mãos de um pastor ainda quando bebezinho. Seus pais verdadeiros: Jocasta e Laios teriam escolhido, um dos seus melhores pastores, e lhe ordenado a deixá-lo no lugar mais alto da montanha. O medo era tanto que aquela terrível profecia se concretizasse.

- Mãe, que maldade fizeram com Édipo. Ele era só um bebê. Que perigo deixá-lo sozinho!

- É, filho, mas quiseram apenas libertá-lo daquela sina de matar o pai e viver com a mãe. Foi difícil pra eles também. Mas a vida é assim, ninguém foge de sua sorte.

- Mas..., se não tivesse passado o pastor por lá? O coitado poderia ter morrido - Matheus muito triste.

- É. Mas me deixe concluir. Desses fatos, Édipo só vem a saber por acaso através do emissário da morte de seu pai de criação: o Políbio; lembra dele?

Até ali ele o considerava como seu legítimo pai. Édipo, sem intenção alguma, comentara-lhe sobre a profecia macabra que havia sido predestinada pra ele e que por isso mesmo desde que saíra de junto do seu povo, não havia voltado simplesmente porque tinha muito medo de tudo se concretizar e acontecer a tragédia. Mas, naquele instante, o seu pai estava morto, ele não se sentia à vontade em voltar, temendo por sua mãe Mérope. Teria que continuar longe do seu povo que amava tanto. Nesse ínterim, o emissário escuta todo aquele sofrimento e é tocado, não podia continuar a guardar aquele segredo. Então conta-lhe toda verdade: Que ele não se ligava por nenhum laço de ao rei Políbio e a rainha Mérope, já que esses não haviam gerado fruto daquele casamento. E que ele seria a pessoa de quem os reis haviam recebido Édipo; pequeninho ainda fora entregue por suas próprias mãos. Assim cai a ficha pra Édipo; ele se toca de sua fatalidade: A profecia do oráculo Delfos já era uma realidade.

Jocasta percebendo o acontecido, corre para seus aposentos e lá, dá cabo de sua vida, enforcando-se. Édipo ainda a procura, mas já era tarde demais. Não adiantava odiá-la nem querer maldizê-la. Ela estava morta, não podia responder às suas conjecturas. Daí Édipo enlouquece, furando os próprios olhos. Finaliza culpando o deus Apolo por sua desgraça.

- Mãe, um homem tão poderoso, decifrador e enigmas, terminar assim - Matheus inconformado.

- É a vida, filho, quanto mais poderoso, maior é a queda. Por isso, querido, ninguém deve querer ser melhor que o seu próximo. Nesse mundo de meu Deus, há muitos mistérios entre o céu e a terra.

- C-o-r-t-a! Continuaremos depois. Ficou ótimo! Espero todos amanhã bem cedo. A gravação não pára. Daremos continuação ao trabalho, podes crer.

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