- O senhor se importa que eu me sente aqui? É que o restaurante está
lotado e...
- Bom... Não fosse um pequeno, mas importante detalhe, eu não
teria nada contra o senhor se sentar aqui. Aliás, nesses restaurantes
fuleiros que servem prato feito é muito comum pessoas desconhecidas dividirem
a mesma mesa para almoçar, mas, como o senhor mesmo pode ver, esta mesa
tem dois lugares e ambos estão ocupados...
- Mas, meu senhor, a cadeira ao seu lado está vaga!
- Como, vaga?! O senhor não vê que a Beth está sentada aqui?
- Não. Não estou vendo ninguém sentado aí. Só
estou vendo uma cadeira vazia.
- Cadeira vazia!... Viu, Elisabeth, este beócio diz que sua cadeira está
vazia! É como eu sempre te digo, é incrível como as pessoas
não respeitam os mortos! A pessoa vive, faz mil coisas, deixa sua marca
no mundo, faz um bocado de gente feliz com o simples fato de existir e, depois
que morre, as pessoas nem as veem mais, nem percebem mais sua presença...
- O senhor me desculpe, mas com quem o senhor está falando?
- Com a Beth, imbecil! Escute, deixe de ser cínico e me diga, o senhor
está sendo sincero dizendo que não vê a Beth ou está
alegando não vê-la apenas pra arranjar uma desculpa para ocupar
o lugar dela?
- Realmente, eu não estou vendo ninguém, meu senhor. Mas agora
estou curioso. Quem é essa Beth?
- Quem é a Beth? A Beth é a mulher mais maravilhosa que já
foi viva neste mundo! Teoricamente, não era pra ela estar aqui, porque
ela desencarnou há dois anos. Mas o amor da Beth por mim era muito grande
e, apesar dela ter prometido no altar que ficaria comigo só até
que a morte nos separasse, mesmo depois que ela deixou seu corpo físico,
ela continuou comigo. Nos amamos muito, sabe? E sei que é até
egoísmo da minha parte, já que deveria deixá-la seguir
seu caminho, mas ela insiste em ficar e...
- Meu senhor, o senhor é um maluco! Primeiro, não existe vida
após a morte. Segundo, se existisse, nenhum morto ficaria acompanhando
um vivo por aí. Terceiro, se a tal Beth estivesse aqui, eu também
a veria. Assim sendo, o senhor vai me desculpar, mas o restaurante está
cheio, meu estômago está vazio, eu estou com uma bruta fome, tem
uma cadeira vaga ao seu lado e eu vou me sentar nela!
- Não, Beth! Não faça isso! Não dê seu lugar
para este idiota! Ele não sabe o que diz! Beth! Pronto, agora ela se
foi! E o pior é que deve estar me culpando por não ter sido mais
duro e convincente com o senhor! Quando ela fica assim, aborrecida, custa pra
voltar. Da última vez que ela se chateou, tive que procurar um médium
pra trazê-la de volta... Mas, agora, já que o senhor se sentou,
vou contar-lhe a nossa história.
- Bom, se não há outra opção... Conte sua história!
- Nosso amor foi uma amor como qualquer outro. Nos conhecemos, namoramos um
tempo e depois nos casamos. Beth já tinha casado uma vez. Foi com um
cafajeste que vivia na noite. Boêmio inveterado, imagine o senhor que
o calhorda passou AIDS para a pobre da Beth. E ela só foi descobrir o
fato dois anos depois que estávamos juntos, quando se internou em estado
grave no hospital com uma pneumonia que lhe tirou a vida.
- Quer dizer que... a tal Beth era aidética?
- E não teve a mínima chance de se tratar, a coitadinha. Morreu
como um passarinho, nos meus braços, dizendo que ia estar para sempre
ao meu lado e pedindo pra eu me cuidar...
- E o senhor... ficou aidético também?
- Sim. Eu sou aidético. Mas eu tive mais sorte que minha amada. Eu me
cuido, tomo meus remédios direitinho e vou vivendo... Mas porque o senhor
está se levantando? Espere! Aonde o senhor vai? Depois de tomar o lugar
da Beth, o senhor ainda vai me deixar almoçando sozinho? Senhor volte
aqui!... Não adianta. O cara a se foi. Além de incrédulo,
o beócio é preconceituoso! Ainda bem... Beth, venha querida! Como
todos os outros, o imbecil se foi quando ouviu nossa história. Eu sei
que você está escondida atrás dessa pilastra. Pode voltar,
linda! Pode voltar e ocupar a sua cadeira...