O prédio era bonito, mas pouco funcional. Como a escola em que ele lecionara
dez anos antes, aquela também sofrera por algumas transformações
e reformas necessárias para viabilizar seu funcionamento. Quem projetara
aquele modelo de prédio, certamente só devia ter entrado numa
escola para pegar seu diploma. Mas, apesar das paredes incompletas, dos buracos
internos que, além de ajudarem na circulação do ar ajudavam
também na circulação do barulho, da localização
das quadras que tornava impraticável ao pobre professor ser ouvido e
ouvir dentro das salas de aula nos horários de Educação
Física ou de jogos de torneios, pelo menos uma coisa boa tinha sido feita.
De certa forma, pensou-se na diretora, na secretária, na bibliotecária,
na supervisora pedagógica e na orientadora educacional. Ao longo de um
corredor, ficavam o gabinete da diretoria, a secretaria, a sala de multimeios,
a sala da orientadora, da supervisora e a Biblioteca, todas bem isoladas da
barulheira infernal que normalmente infesta qualquer escola.
De uns tempos para cá, já perto de se aposentar e afastado por
laudo médico da sala de aula, o professor cinquentão dera
para observar melhor o que realmente era uma escola. E sempre que refletia sobre
o que observava, achava que estava numa espécie de palco do teatro do
absurdo, tão em moda na sua juventude. Em toda a sua vida, o mestre nunca
conheceu nada mais parecido com uma "máquina de fazer doido".
Na sua cabeça, não havia dúvida: as escolas ainda virariam
peças de museu num futuro muito próximo. E os professores, certamente,
seriam considerados mártires dignos de admiração e pena,
como hoje são considerados os escravos da época colonial. Muitos
cientistas se questionariam: de onde saiu essa ideia maluca de colocar
mais de mil crianças e adolescentes num prédio e onde estavam
as cabeças daqueles "hominídeos primitivos" ao deixar
um só adulto trabalhando numa sala com quarenta crianças e adolescentes,
ou mesmo com quarenta pessoas aparentemente maduras, mas cujo comportamento
não os autorizava a ser adultos? Será que ninguém enxergava
esse absurdo?
O professor entrou no corredor e lembrou-se de quando começou a ficar
estressado e ter pesadelos terríveis. Num deles, do qual já fazia
tempo que se livrara, vinha pelo corredor da escola em direção
à sala dos professores, ia ficando tonto e, de repente, uma dor fulminante
no peito o jogava no chão, determinando sua queda definitiva em um abismo
escuro e absolutamente silencioso (Ah, enfim o silêncio!...).
Todos os dias, ao chegar à escola, o professor, ao invés de ir
para a secretaria, seu novo local de trabalho, preferia ficar um pouco na sala
dos professores, usufruindo da companhia dos colegas e, principalmente, esperando
a chegada da professora de geografia. O bom humor da moça lhe fazia bem,
talvez até mais do que sua beleza. Afinal, o professor estava saturado
de escolas, mas não de professoras e os anos que passara exercendo aquela
profissão absurda haviam lhe trazido vários distúrbios,
mas, para as coisas do amor, ele era um homem como qualquer outro e a única
coisa que o impedia de apaixonar-se irresponsavelmente pela professora de geografia
era uma coisa que ele chamava de "juízo".
O mestre inventara alguns meios de tornar sua presença na escola mais
suportável e um dos seus passatempos prediletos era observar os professores
e a forma como o estado de espírito deles ia murchando e como o brilho
de suas almas ia se embaçando à medida que sua permanência
escola se prolongava. Pena que ele não entendesse nada de medicina. Mais
alguns de seus testemunhos e anotações e já teria elementos
suficientes para provar sua teoria de que escola causava várias doenças,
entre elas: Câncer, Depressão, Paranoia, Atrofia Cerebral,
Surdez, Neuroses diversas, Enfarto do Miocárdio, Derrame Cerebral, Febre
Amarela e Tifóide, Alcoolismo, Cirrose Hepática, Escorbuto, Viroses,
Catarata, Labirintite, Infecção Intestinal, Doença de Chagas,
Mal de Alzheimer, Artrose, Colite, Trombose, Enfisema Pulmonar, Pancreatite,
Anemia, Leucemia, Catapora, infestação por piolhos, excesso de
gases, Gonorreia, Aids, Cancro mole, Sinusite, Enxaqueca, Gastrite, Ulcerações
diversas, Esofagite, Tuberculose, Herpes Genital e Labial, Gengivite, Desvio
do Septo Nasal, Sarna, Esferocitose, Vampirismo, Lerdeza Crônica, Gripe
do Frango e queda progressiva dos pelos pubianos.
Quando dava o sinal para o início da aula, só mesmo as defesas
criadas ao longo de anos de trabalho evitavam que o professor se deprimisse.
Era muito triste ver seus colegas indo para a sala de aula. O pior é
que tinha mais pena daqueles que gostavam e, principalmente, daqueles que se
gabavam de nunca terem faltado um dia sequer ao trabalho em suas vidas. Ele
imaginava que algo muito ruim teria acontecido aos cérebros desses colegas
para que eles conseguissem gostar de uma atividade tão nobre, mas, ao
mesmo tempo, tão mal remunerada e, o pior, exercida de forma tão
precária.
Uma noite dessas, nosso mestre estava só na secretaria da escola. Absorto
na organização de algumas pastas de alunos, ele não percebeu
que tudo estava silencioso demais. Quando caiu em si, abandonou rapidamente
sua mesa de trabalho e correu para o corredor. Não encontrou vivalma
e, muito menos, mortalma. Procurou pelo guarda que vigiava a escola à
noite e também não o encontrou. Correu até à sala
dos professores e achou muito estranho que eles tivessem levado seus objetos
pessoais ao ir embora, mas que tivessem deixado sobre a mesa todos os seus materiais
relacionados com o trabalho. Diários de Classe, trabalhos de alunos,
livros, tudo se encontrava esparramado em cima da mesa, ao invés de estar
devidamente guardado nos escaninhos dos professores. A impressão é
que todos teriam saído às pressas da escola.
Haveria algum perigo iminente, incêndio, desabamento, algo que teria obrigado
todos a abandonar a escola às pressas, esquecendo de avisar a ele? Pensou
o mestre, que, ao vir à sua cabeça a palavra desabamento, imediatamente
se dirigiu para a saída do prédio.
Não, olhou em volta o professor, não havia sinal de fumaça,
cheiro de queimado e o prédio parecia intacto. Foi aí que ele
olhou para o céu e viu o estranho objeto. Cheia de luzes, tal como descrita
pelos ufólogos, a nave estava parada, flutuando sobre a escola. Não
foi difícil para o professor concluir que todos os que trabalhavam ali
no turno da noite, exceto ele, é lógico, haviam sido abduzidos,
o que o levou a, imediatamente, ligar para a polícia.
Levado para uma delegacia, o professor deu seu depoimento e, durante toda a
madrugada, antes de, enfim vencido pelo sono, ter tirado um longo cochilo, continuou
jurando de pés juntos que os professores tinham sido abduzidos por extras
terrestres que, certamente, teriam vindo libertá-los dos suplícios
que toleravam nos seus cotidianos.
Na noite do dia seguinte, na escola onde o professor trabalhava, todos os professores
e funcionários do turno da noite compareceram normalmente ao trabalho.
Os policiais, que, por ordem dos médicos que o examinaram, optaram por
deter o professor na delegacia até arranjar vaga num hospital psiquiátrico,
para convencer o mestre de que ele havia se enganado, até o conduziram
à escola para que ele pudesse ver os colegas. Entretanto, quando viu
a professora de geografia mal humorada, sem nenhum brilho e sem o seu costumeiro
avassalador poder de sedução, ele começou a desconfiar.
Quando observou os outros colegas, secos e sem brilho, ai então é
que o professor teve absoluta certeza: aqueles que estavam ali não eram
seus colegas. Podiam ser qualquer coisa, até robôs, mas não
eram seus colegas.
Hoje, o professor vive internado em uma clínica psiquiátrica.
Segundo os médicos, seu caso não tem cura. Ele não é
agressivo e nem oferece risco para ninguém, mas ele deve permanecer internado,
já que vive sozinho porque não tem nem um parente ou amigo que
aguente mais ouvi-lo contar repetidas vezes a história da abdução
dos colegas e queira acolhê-lo em sua casa e, constantemente, ele entra
em depressão e tenta o suicídio. Suas cartas de despedida sempre
começam da mesma forma: "Já que eu sou tão velho e
miserável que não sirvo nem para ser abduzido por extraterrestres,
despeço-me..." e vai por aí afora.
Quando aos colegas do professor que trabalhavam no turno da noite, ocorreu um
fenômeno bastante intrigante. Todos, sem exceção, foram,
em datas diferentes, abandonando o trabalho. Eles sumiam, ligavam para a escola
e diziam, sempre, a mesma frase:
- Não voltarei mais aí. Não fui programado para fazer este
tipo de tarefa. Vocês são loucos!
Quando desligavam seus telefones eles simplesmente se desintegravam, deixando
como "restos mortais" apenas um pó branco que os laboratórios
da polícia conseguiram identificar apenas como uma marca vagabunda de
talco. .
Outro dia, o professor viu os retratos de alguns dos seus colegas na TV, numa
propaganda que dizia que "eles estavam desaparecidos, mas jamais esquecidos".