O vestido vermelho-escarlate não escondia seus desejos.
Poderia se dizer que muitos já haviam se lambuzado em seu corpo.
Morava em um pequeno apartamento da Avenida Principal. No 8º andar, precisamente.
O prédio tinha uma fachada acinzentada com sancas em forma de anjos.
Um arbusto com flores amarelas adornava as laterais; estava tão carregado
este ano que seus galhos pareciam braços em chamas a bolinar o céu.
Saía religiosamente às 22 horas. Durante o dia ninguém
percebia qualquer movimentação. O silêncio tocava uma sinfonia
sedutora...
Seus traços lembravam figuras gregas, nariz afilado, cabelos negros como
a escuridão, os olhos em linhas arredondadas escondiam um verde-amêndoa;
o corpo era uma paisagem à parte. Seios fartos debruçavam-se sobre
o decote apertado, poderia se sentir o resfolegar de sua respiração.
Ancas bem firmes e largas lembravam potrancas no cio. Pernas bem adornadas,
longas e poderosas, fariam qualquer um enlouquecer, tamanha seriam as performances.
A cintura bem definida, tão perfeita, que poderiam enrolar-se nela como
cobras. Os braços complementavam toda esta miragem; seus dedos longos
seviciariam qualquer um que se atrevesse a conversar com ela. E ela pairava
no ar, levitando a imaginação dos moradores daquela pequena avenida
sem graça.
Sua passagem era algo indescritível. Era de uma sedução
sem igual...estonteante, aprisionando os segredos mais inconfessáveis.
Não sabiam nada a seu respeito, seu nome, seu passado, apenas divagações,
inúmeras divagações; poderia se escrever um folhetim.
Mas isso na hora não importava, quantas histórias seriam contadas
apenas porque ela existia? Quantos passados aquela mulher poderia esconder debaixo
de seu vestido vermelho escarlate?...
Mas num dia torrente de calor, a paixão tomou conta do desvario de muitos
e muitos queriam apenas lhe falar, tocar, amar, morrer...Numa hipnose coletiva
invadiram o pequeno apartamento; sem móveis, sem quadros, sem nada. Apenas
uma poltrona de espaldar imponente, com motivos florais indefinidos, já
que o tempo havia lhe comido as cores. Num canto escuro do ambiente, caído
ao chão, um pedaço de papel amarelado refletia luz nos olhares
abismados.
Ninguém se atreveu a pegá-lo. O medo era o único morador
daquele bizarro momento. Um rapazote de uns 16 anos se aproximou e pegou a luz
refletida. Quando percebeu o que viu soltou um grito aterrador, petrificando
a todos...não tinha palavras para descrever o que segurava em suas mãos...saiu
aos berros pelas ruas deixando todos atordoados com a situação.
Acorreram ao seu encontro e indecisos falavam atrapalhadamente numa língua
indecifrável, uivos linguísticos repletos de signos.
O tempo foi deixando a calma retornar.
Aos poucos o rapazote voltou à cor e neste instante, lágrimas
começaram a rolar aos borbotões, num choro convulsivo - segurando
o pedaço de papel todos puderam ver e não acreditavam na imagem
que seus olhos apresentavam.
Madeleine com seu vestido vermelho escarlate, sentada à soleira da porta
exibindo um sorriso maroto com olhar verde-amendoado convidando todos aos mais
escusos devaneios, num dia ensolarado de abril, numa terra tropical, onde frondosos
arbustos em chamas adornavam o céu.
Passaram-se 18 anos e sua beleza imortalizada em papel fotográfico, amarelado
pelo tempo, exalava um perfume adocicado que amornava os pensamentos.
O pequeno apartamento se encontra lacrado. O céu não está
mais em chamas, murcharam os galhos de fogo, apenas os anjos continuam sua vigília.
Às 22 badaladas da noite, olhares procuram-na...Ela sai todo dia, religiosamente,
no mesmo horário...