"Louvado sejas pela Morte! Ela a todos visita,
e é nossa irmã, e ninguém foge aos braços seus.
Ai do que morre condenado! Mas, bendita
a alma que trilha os teus caminhos, senhor Deus!"
(São Francisco de Assis)
Pergunto-me hoje, Deus, como pude ser tão burra e por tanto tempo. Por
que não vi tudo logo no começo? Céus, como puder viver
cega por todos esses anos?
Hoje eu posso ver. O culpado por tudo isso é do amor... Ele, sempre ele,
a nos destroçar o cora-ção, a destruir, cruelmente, todos
os nossos sentimentos mais nobres.
Tantas vezes eu pisei no meu orgulho para continuar a seu lado, e tudo isso
em nome do amor... o imenso amor que eu sentia por você.
Enquanto isso, você... Oh, Deus, dai-me forças para suportar esta
situação! Não consigo aguen-tar...
Por que você me fez sofrer tanto assim? Por que? Logo eu que sempre fui
tão cética com relação aos sentimentos? Eu, que
me entreguei de corpo e alma, sem questionar nada...
Por que isso tinha de acontecer logo comigo, por quê? Ah, quando penso
em todo esse tempo que eu acreditei no seu amor, sinto tanta raiva!
Você nunca me amou como eu te amei. E quando eu lia nos romances todas
aquelas lindas histó-rias de amor com final feliz, eu realmente acreditava
que isso pudesse acontecer conosco... quanta ingenu-idade da minha parte.
Acho que todo esse tempo vivendo entre os livros me fez ficar boba. Eu me sentia
como uma adolescente, descobrindo o amor perfeito. Perfeito... como eu pude
acreditar que algo assim existisse no mundo real? Este mundo é, sim,
muito cruel. Faz com que as pessoas descubram, da pior maneira possí-vel,
o quão impiedoso ele pode ser.
Sinto tanta dor em meu peito... acho que toda a dor do mundo está dentro
de mim. Meu coração sangra, dilacera-se, grita por socorro. E
não há ninguém capaz de ouvi-lo. Ninguém capaz de
curar suas chagas.
Olho para trás. Todos os momentos felizes, ou que, pelo menos, eu estava
feliz a seu lado, e sinto tanto... Tínhamos tudo para sermos felizes.
Lembro quando nos conhecemos, todas as coisas que tínha-mos em comum,
como eu achava que você entendia minhas manias... Ai, que dor!
Sinto vontade de gritar, de chorar, de arrancar os cabelos, de tirar fora o
coração, mas nada disso adiantaria agora... Agora que minha decisão
está tomada.
Não aguentarei mais esta vida ingrata. Não quero mais viver
neste mundo vazio. Este mundo que paga com dor a todos aqueles que ousam tentar
serem felizes.
Chega! Já que para você eu não sou nada, não quero
mais viver. Não quero mais fazer parte da sua vida indefinida.
Tenho em minhas mãos a peça que um dia eu sonhei que coroaria
a nossa felicidade. Guardei esta camisola por tanto tempo... eu a usaria na
nossa noite de núpcias. Sonhei tanto com isso... você não
pode imaginar como desejei ser sua.
Sua, mas de verdade; possuir seu nome, sua vida, seu amor. Mas já que
isso eu não pude ter, como a vida negou o meu mais íntimo desejo,
desisto de tudo.
Deus é testemunha do quanto eu tentei ser feliz a seu lado, mesmo você
fazendo amor comigo e pensando em outra pessoa.
Deixo você novamente sozinho, mas não se preocupe, a lembrança
da outra você sempre levará. Já de mim, duvido que daqui
a algum tempo ainda se lembre.
Adeus!
"Quando, desesperado, corri para pegar seu corpo exangue, era muito
tarde. Ela havia acabado com todo o sofri-mento que eu, involuntariamente, causara-lhe.
Havia acabado com toda a dor que sentia. Toda a sua dor se foi, esvaiu-se, junto
com o sangue, pelos cortes de seus pulsos. Apenas um bilhete na mão fria
restou...
Espero que Deus possa dar-lhe todo o conforto que ela tanto quis e eu não
pude dar... E à minha alma, o perdão - por eu não ter enxergado
seu amor e por não ter conseguido livrar-me desta sombra que cobre meu
destino."